Uma experiência de parto domiciliar por Maria João Pereira

(A Maria João é a autora do Blog http://www.moyinha.blogspot.com/)

Olá,

Voltei, já-mamã, a pedido de uma amiga [Wink]
Não tenho que explicar nada a ninguém mas foi-me pedido que partilhasse a minha experiência pois pode abrir lugar a debates construtivos e a desmistificação de ideias erroneamente pré-concebidas.
Pensei bastante se devia começar um novo tópico, porque disse que não escreveria mais neste mas depois de matutar, achei que era um bom remate, visto que fui eu que o comecei [Wink]

Se virem o primeiro post deste tópico, peço informações sobre os procedimentos nos Lusíadas, até agora no segredo dos Deuses, visto que fui lá seguida toda a gravidez, pelo Dr. Pedro Martins, um AMOR de médico!
O que se passou foi que apesar de termos podido falar de tudo com o nosso médico e de lhe termos entregue o plano de parto - que ele leu e disse que seria respeitado, se tudo decorresse normalmente - ele nos mandou discutí-lo com a Enfª Chefe do bloco para polir detalhes mais técnicos. Ora no geral a Sra. Enfª apesar de ser uma simpatia, estava mal informada sobre uns assuntos, foi preconceituosa em relação a outros e remeteu os restantes para o médico que me assistisse na altura.
Assim, fiquei com a certeza que "todos fariam o melhor" para que nós tivessemos uma experiência gratificante, mas vi que o meu plano não ia ser oficialmente aceite e que o pessoal de saúde ia andar a fazer "ping-pong" com o plano de parto até eu me fartar ou a minha Joana nascer.

Segundo o Dr. PM, iria fazer de tudo para que as nossas escolhas fossem respeitadas na altura, consoante o desenrolar do parto, mas o facto de não existir uma "oficialização" desse compromisso, fez-nos ponderar pela primeira vez a hipótese do parto domiciliar. Quanto mais liamos e sabíamos sobre esta opção, mais ela fazia sentido para nós. Falámos com vários casais que também tiveram esta experiência, a quem agradecemos do fundo do coração pela amizade, e então já o parto hospitalar nos parecia "fora do normal" e uma opção de último recurso.

Reunimo-nos com uma Enfª Especialista em Saúde Materna e Obstétrica com mais de uma década de trabalho hospitalar e vários anos de prática domiciliar e expusemos o nosso quadro clínico e o plano de parto. Visto que não íamos poder ter a experiência que desejávamos e não tínhamos garantidas as condições para um parto "seguro" no hospital (porque a partir do momento em que nos começam a medicalizar e instrumentalizar, é uma bola de neve que desencadeia a necessidade de mais intervenções) decidimos explorar a hipótese do parto domiciliar.

Até ao último momento, mantive em aberto a hipótese de ir para o hospital caso fosse necessário (i.e., se não me sentisse confortável com algo ou a parteira achasse que era o melhor) mas à medida que íamos tendo mais informação sobre os riscos e benefícios, mais convencidos ficávamos que era a melhor decisão a tomar. Graças a Deus que existem hospitais para quando há complicações, mas o parto é um processo fisiológico que se for respeitado é do mais simples que há (eu escrevi SIMPLES, não INDOLOR [BigGrin] )

Com grandes remorsos, porque sempre o adorámos, deixei de ir às consultas do Dr. PM às 39 semanas, passando a ser seguida em casa, pela nossa parteira: ela trazia o aparelho de CTG (tenho os registos de papel de recordação), o doppler e fazia o teste da urina com o papelinho das cores. Gostei muito de ser seguida por ela também (houve períodos em que era seguida pelo Dr. PM e por ela), porque nos mostrou como palpar a barriga para saber ver a posição da Joana [Smile] , algo que nunca nos foi explicado no hospital, mesmo com a eco.

Às 40 semanas (ironicamente num dia em que o Dr. PM não estava no hospital, ou seja, em que teria que ser assistida por outro médico caso lá tivesse ido parar), precisamente à meia-noite, a gravidez de baixo risco e vivida em pleno por nós estava a chegar ao fim!

00h00. Comecei a perder líquido: primeiro parecia urina incolor, uma colher, mas depois o líquido tornou-se de um rosado leve e a dúvida que o meu inconsciente repetia, tornou-se em certeza: tinha chegado a hora! Chamei o meu marido e beijámo-nos entre sorrisos [Smile]
Ligámos logo à Doula e à Parteira, nossas amigas e companheiras desta viagem, que me recomendaram que descansasse o mais possível para guardar forças para depois. Assim fiz.

00h30. As contracções começaram com duração e frequência inconstante mas consegui dormitar entre elas.

2h30. Acordei com uma contracção mais forte. Já não me apetecia estar deitada pois as contracções pareciam mais intensas nesta posição. Levantei-me e fui imprimir o plano de parto (já conhecido de todos, mas pronto) e escrever um aviso para colocar no patamar. Fui tomar um duche morno para acalmar as contracções e tentar dormir mais um pouco. O meu marido veio ter comigo e insistia que eu devia ir deitar-me "para guardar forças" mas nessa altura já não conseguia estar deitada. O meu corpo dizia-me que o t.p. já estava bem estabelecido (tive que ir ao wc 3 vezes em 10 minutos, para a necessidade nº2, LOL) mas nós continuávamos a pensar que ainda faltava muito.
Voltámos para a cama... Por pouco tempo.

4h. Já não conseguia estar deitada, mesmo de lado. Levantei-me e comecei a preparar o local onde a nossa filha iria nascer. O meu marido ajudou-me a colocar a piscina de parto e o material necessário, e servia de intermediário entre mim e a Doula e a Parteira ao telefone. Vinham quando quiséssemos mas assim que deixei de ter vontade de falar, perceberam que estava a entrar na fase crítica! Quando vinha a contracção só estava bem inclinada para a frente ou de quatro.

6h00. Elas chegaram. Como anjos da guarda. Guardiãs do nosso parto. Eu deambulava pela sala, as contracções só me deixavam deitar ou sentar por breves momentos. A Doula massajava-me as costas na zona dos rins e às vezes, as ancas, o que me trouxe bastante alívio durante as contracções.O uso de sacos de gel ou de sementes quentinhos nos rins eram uma maravilha! Enquanto isso, a Parteira e o meu marido enchiam a piscina. Só me apetecia entrar, mas tive que esperar estar mais cheia!

7h00. Entrei para a piscina. O alívio foi imediato e ainda consegui estar de barriga para cima por alguns momentos, mas a água acelerou o processo e apesar de maior alívio, também tornou as contracções mais eficientes: o ritmo e intensidade aumentaram. Nessas horas, em que perdi a noção do tempo, já nada importava a não ser ter o meu marido frente-a-frente e visualizar o processo de nascimento na minha cabeça: o colo a abrir, a cabeça da Joana a descer, a rodar, a sair... De joelhos na piscina e apoiada na sua borda, deitavam-me água morna pelas costas, o que me sabia muito bem. As contracções estavam mais intensas e prolongadas e lembro-me da preparação para o parto: "quando chegarem àquele momento em que pensam que já não aguentam mais, é porque estão mesmo quase!". Apeteceu-me gritar que já não aguentava mais, mas pensei: "e se depois me dizem que ainda falta muito? Não vou aguentar..." E então voltei à "partolândia" e comecei a falar com a nossa filha, pedindo-lhe ajuda para sair e acalmando-a.

Durante as 3h antes do nascimento auscultou-se o seu ritmo cardíaco várias vezes com o doppler e estava tudo ok. Nessa altura só pensava: bolas, se eu estivesse no hospital, não conseguiria fazer o que estou a fazer aqui: relaxar, gritar, e principalmente não estar deitada por estar ligada ao CTG! Não consigo imaginar ter que passar por tudo isto de costas assentes numa cama, porque, pelo menos para mim, as dores aumentavam exponencialmente!

8h30. E aí a água começou a ficar quente... quente demais! (apesar de na realidade ninguém a estar a aquecer). Num gesto, rejeitei a água morna que me despejavam por cima, e sem uma palavra sequer, a Doula percebeu e começou a colocar toalhas embebidas em água fria nas minhas costas: o alívio foi imediato. Passadas algumas contracções, comecei a sentir vontade de fazer força e então muni-me dela e rugi! E rugi! E senti o que a Parteira chamou o "anel de fogo", um ardor circular no períneo. Algumas contracções mais tarde e ouvi dizerem: "ena, tanto cabelo!!!". E num ápice, a cabeça saiu. Senti movimento e pensei estarem a apará-la, mas quando olhei para trás, não estava ninguém! Que sensação maravilhosa saber que era a minha pequenina que se movia para mim! Duas contracções depois e o resto do corpo seguiu a cabeça. Ouvi: "então?pega na tua filha!". Virei-me e sentei-me, segurando no meu raio de sol às 9h00, 9 horas depois de ter entrado em t.p. (e meia-hora depois de começar a gritar a plenos pulmões: não era só a dor, que admito que foi algo intensa, mas nada que não se aguentasse, especialmente com o apoio que tive, mas a vontade de fazer força: os gritos ajudaram-me a concentrar e a fazer força)...

9h00. O pai saltou para dentro da piscina e abraçou-nos. Ela olhou para nós como que ainda confusa sobre o processo passado, mas de olhos bem abertos, calma e alerta! 3,340Kg de gente! Eu só repetia: "já está! não acredito que a tenho nos braços!! é MINHA!"

Esperou-se que o cordão parasse de pulsar e o pai cortou-o. Dei imediatamente de mamar, o que estimulou as contracções para a expulsão da placenta, muito menos dolorosas que as do parto. E só 1/2h depois, a minha filha de Apgar 10 ao primeiro minuto chorou (por sair do meu colo para o do papá, hehe). E 6 horas depois, a placenta nasceu, sem recurso a qualquer fármaco. Uns pontos depois, no conforto da minha cama e sim, com recurso a uma anestesia local, a minha filha e eu fizemos uma merecida sesta! A primeira de muitas!

Resta apenas dizer "obrigada". À minha filha, que esperou até estarmos "maduros" para vir ter connosco e por partilhar este percurso comigo; ao meu marido, que sempre me apoiou e me deu o incentivo que precisei para acreditar em mim; à minha Doula - Catarina Pardal, que me tratou como a uma irmã, filha, mãe, amiga... e me acompanhou desde antes da Joana sequer existir; e à minha Parteira - Ana Ramos, que se manteve vigilante mas silenciosa, encorajando-me sem me dirigir, para que eu pudesse fazer o que o meu corpo já sabia de forma inata.

Foi um parto. Não digo "natural", "humanizado" ou outro adjectivo qualquer. Nada pode descrever ou rotular a experiência que nos foi permitido viver. Foi:
- sem data marcada: a Joana é que escolheu nascer
- sem toques: não havia pressa para apanhar o comboio
- sem amniotomia: as águas rebentaram quando a cabeça nasceu
- sem drogas: estivemos sempre conscientes e alerta: a dor ajudou-me a posicionar o corpo para um parto rápido
- sempre com o meu marido: o meu pilar
- sem gritos que não fossem os meus
- sem palavras que não fossem de encorajamento
- sem agulhas (pronto, só uma, depois da placenta nascer, para a anestesia local e para os 4 pontos que levei)
- sem separações abruptas ou indesejadas
- com MUITO AMOR e CONFIANÇA

Tenho a agradecer também ao pessoal dos Lusíadas, que me recebeu de braços abertos quando lá fui mostrar a Joana e marcar a consulta do pós-parto (apesar da parteira também ma ter feito!).

Gostaria também de agradecer à jornalista da SIC, Manuela Vicêncio, pela bela (embora curta) reportagem "9 meses depois", em que a nossa Joaninha é uma das estrelas [BigGrin] Para quem não viu: http://sic.aeiou.pt/online/video/informacao/Reportagem+SIC/2009/5/9-meses-depois.htm
Quanto mais se falar neste tema, mais mitos se vão desvanecer. E tal só pode ser bom, seja para partos hospitalares, domiciliares ou nas futuras casas de parto ou espaços que surjam: Haja informação para as pessoas poderem escolher em consciência!

Um grande abraço a todas as futuras e já-mamãs,
moya (Mª João Pereira)




Fonte: http://foruns.pinkblue.com/Topic104224-9-8.aspx#bm1739343

4 comments:

  1. Boa tarde...
    Nossa li toda sua historia e me emocionei... Eu havia visto a duas semanas uma propaganda da sic onde dizia que iria passar uma reportagem sobre o parto domiciliar, porem eu não consegui assistir no domingo, e fiquei super triste por isso, mas ja estava a tentar engravidar e por isso ja havia assistido varios partos pela internet pois sempre(desde que começei a pensar em engravidar) pensei no parto domiciliar.. e na ultima quarta feira dia 12 recebo um positivo e pensa estou muito feliz... entao hoje lembrei de ir ao site da sic para tentar achar a reportagem e la estava adorei assistir e o melhor de tudo pude perceber que eu consigo mesmo aqui em portugal, ter um parto assim... queria muito lhe pedir os contatos da parteira e da doula que te acompanhou para que eu possa conhecelas.. e perguntar lhe a partir de quantas semanas vc contactou-as.. gostaria de roubar um pouquinho da atenção da Joana para ter essa informação se possivel
    meu e-mail é alinealvesaguiar@hotmail.com desde ja muito obrigada e muitas felicidades.. beijos

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  2. Olá Alina,

    Obrigada pela mensagem.
    é bom ver pessoas com segurança e coragem para avançar com o parto em casa. no contexto português nem sempre é a solução mais fãcil mas também acredito que pode ser uma experiência muito positiva.

    este relato de parto não é meu, foi retirado do site que está no post (http://foruns.pinkblue.com/Topic104224-9-8.aspx#bm1739343)

    Penso que a mãe da Joana do relato é a Maria João do blog Rituais Maternos (http://www.rituaismaternos.com/). Se não for a mesma mamã, garantidamente a Maria João terá uma palavra a dizer sobre esta temática.

    O próximo encontro Crianças em acção vai ser organizado por uma mãe que teve bebé em casa em 2008. Seguramente esse será um dos temas do encontro. Sei que se vai realizar em Setembro mas ainda não há data marcada. Assim que tiver mais novidades coloco aqui no blog.

    A melhor forma de encontrares contatos de parteiras é através da HUMPAR (http://www.humpar.org/), Maternar (http://maternar.webnode.com/), Associação de Doulas (http://doulasdeportugal.blogspot.com) ou Movimento Crianças em Acção (http://gaia.org.pt/criancas). Em todos estes grupos vá mulheres e casais que tiveram os bebés em casa ou pessoas que conhecem bem parteiras que trabalham em casa. Também poderão orientar sobre os hospitais onde o parto é menos medicalizado e intervencionado.

    espero conhecer-te no próximo encontro crianças em acção.

    tudo de bom
    tudo de bom

    Em qualquer um destes sítios poderás conhecer pessoas cujos partos foram em casa e que podem partilhar as suas experiências.

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  3. Olá,
    Eu sou a autora do relato, não sou Ferreira como o título indica, mas Pereira, e também não sou a Maria João dos Rituais Maternos! LOL
    Tenho um blog recente: moyinha.blogspot.com
    Desde já agradeço a divulgação do meu relato: é algo de que me orgulho muito e mais ainda se puder ajudar alguém a tomar uma decisão tão importante como a de como parir.
    Quanto ao comentário sobre a parteira, vou mandar um email pessoal à Aline, mas concordo com tudo o que foi dito por WANT!
    Cumprimentos,
    moya

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  4. Olá, meninas!

    Ainda bem que já decifraram quem é quem... LOL

    Jocas

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