Os pradigmas tecnocrático, humanizado e holístico do parto - Parte III - As 12 crenças do modelo holísitico

(Continuação)

O modelo holístico em medicina

Se o modelo tecnocrático é a ideologia dominante em medicina, o modelo holístico é a última das heresias.

Dos três paradigmas o holístico é o que combina a mais rica variedade de abordagens: da terapia nutricional às modalidades de cura da medicina chinesa. Alguns dos médicos holísticos se aprofundam em um determinado tipo de terapia, outros preferem o ecletismo, freqüentemente moldado segundo suas inclinações pessoais.

O holismo pode pedir aos indivíduos que sejam mais ativos, que modifiquem seu estilo de vida, como pode também pedir que sejam passivos, que recebam uma prece ou uma transferência de energia. O conceito de holismo foi introduzido para indicar a influência do corpo, da mente, das emoções, do espírito e do ambiente no processo de cura do paciente.

O princípio de conexão e de integração que dá suporte à abordagem holística vem daquela dimensão até então renegada e desvalorizada pela cultura ocidental: o fluido e multi-modal pensamento do hemisfério direito. Trata-se de um pensar com e através do corpo e do espírito, um pensamento holístico, portanto, fluido, que transcende a lógica linear e as classificações rígidas em favor da conexão com a matriz criativa de todas as coisas, onde estas, como num vórtice, são mescladas, criadas e diferenciadas. Esta raiz criativa é o primeiro elemento da cura holística.

As 12 crenças do modelo holístico 

(1) Unicidade de corpo-mente-espírito

O pior problema agora é o da linguagem: estamos acostumados a falar em termos de separação mente-corpo, de forma que até os profissionais holísticos se pegam fazendo uso de uma terminologia que não combina com o modelo de cura que estão adotando. Tomar consciência de que o cérebro não se localiza na cabeça mas que está, com suas ramificações nervosas, distribuído por todo o corpo, torna inadequado continuar pensando mente e corpo como entidades distintas.

Na abordagem holística dedicar a atenção aos componentes psicológicos que influem na gravidez ou no trabalho de parto de uma mulher não é simplesmente algo útil, é a parte essencial da cura. O paradigma holístico insiste também na participação do espírito na totalidade humana. Incorporando a alma no processo de cura, os terapeutas holísticos estão transportando a medicina para o mundo espiritual e metafísico que foi separado e recusado com a chegada da Idade Moderna. A espiritualidade aqui tende a ser algo fluido e assume a forma da perdida identidade com a filosofia NewAge, mais do que com as religiões tradicionais judaico-cristãs. A teoria do caos e a sistêmica fazem parte do quadro conceitual da abordagem holística em medicina.

(2) O corpo como um sistema de energia conectado com outros sistemas de energia

Definir o corpo como um sistema de energia oferece uma poderosa brecha para desenvolver e fazer uso de técnicas médicas e de tratamentos que trabalham com a energia: como acupuntura, homeopatia, diagnoses intuitiva, Reiki, imposição de mãos, terapia do campo magnético e toque terapêutico. As descobertas da física a respeito da inexistente fronteira entre matéria e energia deveriam induzir a medicina a uma re-estruturação completa, se esta aceitasse conclusões de outras áreas da ciência. O princípio de Heisenberg, por exemplo, fala da influência recíproca que observador e observado exercem um sobre o outro. Quais seriam as implicações deste princípio na energia do parto? Agir para redirecionar as energias pode ser uma forma de conseguir efeitos positivos durante o parto, sem fazer nenhuma intervenção invasiva.

(3) Curar a pessoa inteira em seu inteiro contexto de vida

Como corolário das primeiras duas crenças, esta última implica que a diagnoses deve estar voltada para a pessoa em sua inteireza e levar em conta o ambiente no qual vive. A primeira pergunta do profissional holístico é o que está acontecendo na sua vida? Ela expressa o ponto de vista holístico para o qual a doença é a manifestação do desequilíbrio da totalidade corpomenteespírito. São aceitos os achados da psiconeuroimunologia segundo os quais o campo imunológico ou o processo da gestação e do parto podem ser impedidos pela exaustão, depressão, stress emocional, perda de ente amado, toxinas do ar e da água, stress da vida tecnocrática. Conseqüentemente, deste ponto de vista, o bem estar do sistema imunológico pode ser promovido em múltiplas formas: do dialogo ao sonho e à dançaterapia, da massagem aos exercícios e à comida orgânica.

(4) Unidade essencial entre o profissional e o cliente

Muitos profissionais holísticos driblam o termo ‘paciente’ usando ‘cliente’, querendo apontar para uma relação de cooperação mútua. Enquanto o modelo humanizado enfatiza a relação de respeito entre médico e cliente, na visão holística se acrescenta a isso a possibilidade de enxergar os dois como partes de uma única realidade, não separados mas essencialmente unidos. Se o corpo é um campo de energia ele se relaciona energeticamente com outro campo de energia, o do profissional.

(5) Diagnose e cura de dentro para fora

Apesar de poder fazer uso de exames ‘externos’, no modelo holístico o profissional tende a dar crédito ao saber interior ou intuitivo da cliente. A intuição é aqui entendida como conhecimento ou percepção não racional. Quando é usada como referência para a ação ela é definida como conhecimento autoritativo. No modelo tecnocrático o conhecimento autoritativo se identifica com os manuais e os testes de diagnóstico e desconsidera a voz da intuição. Os profissionais holísticos, assim como os humanizados, tendem a dar bastante valor à intuição. Assim, na prática holística o diagnóstico e a cura de dentro para fora podem se referir às informações que emergem da profunda interioridade da paciente e do médico.

(6) Individualização dos cuidados

Os profissionais holísticos foram treinados no modelo da tecno-medicina e conhecem seus efeitos deletérios quando este modelo produz as rotinas hospitalares e as relações hierárquicas. Geralmente eles fazem o melhor para minimizar esses efeitos, valorizando a individualidade e unicidade de cada caso e de cada pessoa. No caso da parturiente, isso significa que os procedimentos rotineiros não são aplicados. Seu trabalho de parto é único e incomparável. Ela pode andar, comer, beber e dar à luz no lugar e na posição que desejar. Sua intuição a guiará, dando respostas únicas às situações e ambientes únicos nos qual se encontra.
Suas necessidades e ritmo individuais serão fundamentais para o desabrochar de seu parto. Alterações inesperadas são compreendidas no esquema da teoria dos sistemas auto-organizativos que estabelece que, mesmo a menor das mudanças, pode alterar dramaticamente o inteiro sistema.

Médicos holísticos tendem a não tirar conclusões apressadas a respeito da relação causa-efeito. Eles preferem aguardar o inesperado e estar prontos para a cura que emerge em estranhos lugares e misteriosos caminhos. Sua genialidade está na capacidade de reconhecer aquele pequeno detalhe que se impulsionado e suportado pode levar à cura.

(7) Autoridade e responsabilidade inerente ao indivíduo

Os indivíduos devem assumir a responsabilidade pela sua saúde e seu bem-estar: essa é uma crença de base no modelo holístico. Ninguém pode efetivamente curar outra pessoa, os indivíduos devem decidir e assumir o processo de cura, para que ele dê resultados. Os profissionais se vêem como parte de um time no qual o paciente é o sujeito mais significativo. Muitos deles ficam frustrados ao ver a dificuldade e/ou a recusa de assumir essa responsabilidade da parte de muitos pacientes.

(8) Ciência e tecnologia colocadas a serviço dos indivíduos

Pode-se definir o modelo tecnocrático como caracterizado por muita tecnologia e pouco toque, o humanizado como um equilíbrio entre esses dois recursos, e aquele holístico como de muito toque e pouca tecnologia. Os profissionais holísticos na verdade não recusam a tecnologia, mas a colocam a serviço de seus clientes ao invés de deixar que ela domine suas vidas e seu tratamento. Geralmente a tecnologia usada não é invasiva e não produz os efeitos prejudiciais da medicina convencional. Trata-se de uma tecnologia que, no caso das parturientes, trabalha em sintonia com a fisiologia de seu corpo.

E como fica com a ciência? Michel Odent, obstetra francês, costuma dizer que a ciência nos salvará.
Ele está se referindo a uma tendência emergente na obstetrícia ocidental, a que prega as evidências científicas como critério para o uso da tecnologia e a escolha dos procedimentos.

(9) Visão em longo prazo na criação e manutenção da saúde e do bem estar

É comum os médicos tecnocráticos manifestarem certa frustração pelo fato de seus pacientes não darem continuidade aos tratamentos. Ao contrário, os profissionais holísticos vivem a frustração por seus clientes não se comprometerem na melhora de sua saúde e bem estar no longo prazo. Assim que melhoram, as pessoas tendem a voltar a seus estilos de vida anteriores. Consertos rápidos’ são soluções precárias quando se pensa em mudanças de estilo de vida para alcançar o bem estar. Os médicos holísticos sabem que são essas mudanças que promovem e mantêm a saúde. Eles sabem que a gravidez é um momento importante no qual essas mudanças podem ocorrer de forma a serem mantidas duradouramente.

(10) Morte como uma etapa do processo

Por trás da visão humanizada da morte como o estágio final do crescimento, está a redifinição no paradigma holístico da morte não como algum tipo de fim, mas como uma etapa essencial no processo da vida. À visão do corpo como um campo de energia segue-se a idéia da transmutação da natureza da energia. Com a morte há a decadência do corpo, enquanto que a energia do espírito ou da consciência individual permanece. Muitos holistas parecem aceitar algumas versões da filosofia ocidental a respeito de reencarnação, uma visão processual que permite a interpretação da morte como uma oportunidade para dar continuidade à evolução em novas formas de vida e depois em novos corpos. Esse tipo de visão permite aos profissionais terem uma profunda confiança na positividade do universo e em sua sabedoria e seguranças expressas de muitas maneiras.

(11) Foco na cura

Dizer que o modelo holístico foca a cura e não o proveito econômico, não quer dizer que haja uma desvalorização do dinheiro. Ao contrário, eles estão conscientes de que precisam de dinheiro para sobreviver e o entendem como uma conseqüência de seu engajamento pessoal. Eles não se deixam guiar pelo dinheiro, mas pelo processo de cura. O dinheiro segue a relação de reciprocidade entre profissional e cliente. Uma forte experiência de valores substitui a relação mercantilizada que caracteriza o modelo tecnocrático.

(12) Convivência de múltiplas modalidades de cura

A visão do corpo como um campo de energia permite abraçar numerosas modalidades de cura que são inaceitáveis para o modelo tecnocrático. A última visão holística aponta para uma profunda revolução no campo da medicina. Onde esse paradigma ganhar autoridade, o modelo tecnocrático será substituído por uma avaliação cultural da multiplicidade das abordagens possíveis. E, sobretudo, o público será educado nas técnicas de auto-cura, num estilo de vida saudável e no uso apropriado da variedade de caminhos terapêuticos possíveis. Esta perspectiva está ganhando sempre mais espaço e credibilidade por parte do público.

Resumo e tradução por Adriana Tanese Nogueira. Texto original em: Robbie Davis-Floyd. “The technocratic, humanistic, and holistic paradigms of childbirth”. In INTERNATIONAL JOURNAL OF GYNECOLOGY & OBSTETRICS. International Conference on Humanization of Childbirth. Fortaleza, Brazil, 2-4 November 2000, pp. 5-23.



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2 comments:

  1. que giro: depois de ler este post descobri que tive um parto holístico!

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  2. esperemos que haja cada vez mais mulheres a dizer o mesmo que tu e cada vez mais bebés a ter um nascimento digno.

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