A amamentação em Portugal

Esta tarde li um comentário sobre o facto de a amamentação em Portugal ser normalmente feita ao peito e de as mães optarem pelo leite em pó apenas quando existem problemas associados (como na subida do leite, leite fraco etc...). Comecei logo a pensar quem são as mulheres que conheço que amamentam e nos porquês subjacentes. Já fizeram este exercício? Quais as vossas conclusões?

Deste lado os resultados são verdadeiramente desoladores. Percebi que nenhuma das mulheres que eu conhecia na minha vida "pré-gravida" amamentou em exclusivo. Nem na minha família, nem no meu círculo de amigas há mulheres que tenham amamentado os seus filhos esclusivamente ao peito e durante, pelo menos, seis meses.


hum...a situação em Portugal é mais grave do que parece porque os erros que se cometem em relação à amamentação são tão comummente aceites que nem sequer são questionados. Aliás, quem os conhece e os tenta contornar é que costuma ser criticado.

Amamentar uns dias (ou poucos meses) e em simultâneo com o leite em pó é a norma em Portugal. Amamentação exclusiva é muito raro. Mais raro ainda é quem amamente em exclusivo até aos seis meses como recomenda a OMS (sim, sem água, chás etc...)e/ou que se amamente depois dos 6 meses.

Actualmente o pessoal médico já tem conhecimentos sobre a subida do leite e consegue ajudar as mães nessa altura (nem sempre da melhor maneira mas, lá vão conseguido, pelo menos às que tem a subida de leite nos 3 dias de internamento pós-parto).

Depois da subida do leite é que a coisa se complica.

É culturalmente aceite que amamentar dói e que o peito tem que "fazer calo" quando a verdade é que um peito magoado é sinónimo de má pega (forma como o bebé abocanha o mamilo). Infelizmente recomendam-nos porcarias como os mamilos de silicone e pomadas várias mas raramente conseguem ajudar uma mãe a colocar o seu bebé à mama de forma a que haja dores. Muitas mulheres tem mesmo que parar a amamentação por não suportarem as dores. Não parece ridículo que uma cultura baseada no conhecimento e na tecnologia não consiga passar a uma uma informação tão básica como "por o seu filho à mama sem dor"? Pessoal de enfermagem e dos cursos pré e pós parto, o que andam a fazer?

Também é culturalmente aceite, e não desmentido pelos pediatras, que o leite de algumas mães (infelizmente muitas) é "fraco" ou que "não chega", que o bebé fica com fome e as mães, por quererem o melhor para os seus filhos, complementam as amamentação ao peito com leite em pó. Isto é uma grande, enorme, mentira. Até o leite de uma mãe subnutrida (sim, com FOME) "chega" para alimentar o seu bebé.

Se verificarem, o leite em pó é introduzido porque, a dada altura, "o leite materno deixa de ser bom e o bebé passa a ficar com fome". Não seria estranho a composição do leite mudar de repente? O que geralmente acontece é que o bebé tem "picos de crescimento" e nesta alturas tem necessidade de mamar muito mais. Alguns bebés até tem necessidade de passar uns dias, literalmente, "pendurados na mama" e convenceram-nos que isso é mau, que muita mama está errado, de forma que as mães e vêem obrigadas a dar leite em pó para acalmar os seus rebentos.

Acreditem que já conheci muita mãe defensora da amamentação que em tempos de crise (bebé que chora muito, grita, quer sempre mais mama) vai ao pediatra e sai de lá lavada em lágrimas e com uma receita de leite em pó. A receita óbvia seria "mais mama, mais colo, mais horas passadas na cama com o bebé, em contacto pele com pele e em silêncio". Mas isto parece ser demasiado simples para que um simples médico possa compreender e receitar.

Para a amamentação correr melhor em Portugal, bastava os pediatras dizerem às mães para esquecerem o relógio, não darem de mamar a horas certas ou durante X tempo mas para oferecerem a mama muitas vezes ao longo do dia (sem esperar que o bebé chore para o fazer).

Mamar não é fazer uma "refeição" como tantas vezes ouço. Mamar não é "comer". Mamar é alimento mas também é carinho, conforto, amor, segurança... é tudo isto que o bebé procura e por isso é que não lho podemos dar com horas marcadas, ou em amena cavaqueira com os amigos.

O leite da mãe é o melhor e mais completo alimento que um bebé pode ter mas se for oferecido ao bebé só X em X horas e durante X tempo, o mais provável é a criança estar sempre irrequieta, chorosa, irritadiça. Este estado emocional que tanto nos desespera num bebé não se resolve com leite em pó mas sim com mais e mais e mais mama.

Uma mãe que amamente o seu filho em "livre demanda", sem restrições de horário, tempos etc... arrisca-se a ouvir constantemente que a criança está "viciada", "mal habituada", que "faz da mama uma chucha", que faz "da mãe uma escrava" etc...


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4 comments:

  1. Mais um post fantástico!
    Adorei!
    Subscrevo!
    Tenho exactamente a mesma perspectiva que tu. Antes de engravidar podia contar pelos dedos de uma mão (o que é muito triste), as mulheres que conhecia que amamentaram. Nenhuma delas o fez em exclusivo por mais de um ou dois meses, e muito menos em livre demanda. Mesmo a minha avó paterna, que teve 7 filhos e ia amamentando até mais tarde porque tinha sempre leite, deixou sequer de dar água ou outros alimentos precocemente, porque senão "o bebé desidratava ou ficava com fome..."
    Mesmo eu, se não tivesse conhecido um grupo de mães que amamentam e não tivesse uma doula CAM, não sei se teria a mesma opinião em relação ao assunto porque 1)continua a ser um pouco tabu abordá-lo (ninguém quer objectivamente dizer a uma amiga/parente que ela está a fazer mal ao seu bebé, a não ser os pediatras ou enfermeiros mal informados);
    2)nos dias que correm, a mulher tem de ser super, e correr de um lado para o outro a fazer milhentas coisas e logo, não tem tempo para estar "à disposição do bebé".
    O meu primeiro mês de amamentação foi terrível. Ok, terrível também não porque não tive candida ou mastites como algumas das minhas amigas. MAs tinha muitas dores cada vez que a minha filha pegava. Hoje sei que tinha uma má pega, apesar de ao início toda a gente afirmar que ela pegava muito bem. Até sei o que a causou: nas primeiras horas após o parto, apesar de eu ter dado logo de mamar, estive retida na wc a tentar expulsar a placenta e deixei o pai a entreter a filha. Ora a miúda vinha esfaimada e ele não tinha mamas... Logo o que achou para a manter calma foi enfiar-lhe o dedo mindinho na boca para ela sugar. E ela fazia-o desesperadamente. E pelos vistos nessas horas "aprendeu" que não era necessário abrir muito a boca porque o mindinho até é pequeno. ISso valeu-me a mim algumas fissuras e muitas dores. Se doer, procurem uma, duas, trÊs CAM's até uma delas vos resolver o problema. A prática faz o mestre e o que 1 CAM pode saber, outra pode ser ignorante e vice-versa. Tudo bem que os mamilos nunca foram usados, mas não é suposto parecer como se estivessem a espetar agulhas neles...
    Quanto às recomendações da maioria dos pediatras quanto à oferta de leite, o que tento explicar é lógica simples: "O bebé está sempre a chorar/perder peso" = "deve ser porque o leite é fraco/insuficiente". ERRADO!
    1-estão a oferecer o peito por tempo limitado? (5 a 20 minutos?)
    2-estão a oferecer o peito de 3em3 ou 4em4 horas?
    É matemático: se o primeiro leite é águado e só se oferece 5 a 10 minutos de cada mama, só estão a matar a sede ao bebé. Logo, ele não chega a beber o leite calórico e rico. O leite varia de composição ao longo do dia e consoante as necessidades do bebé, logo demora tempos diferentes a ser digerido! VocÊs também não digerem uma canja no mesmo tempo que um prato de favas, certo? Logo, o "truque" é tomar atenção aos sinais que o bebé emite antes de começar a chorar e que indicam que possa ter fome: por as mãos à boca, virar a cabeça de lado, abrir bem a boca... E pensar que lá por estar com os olhos fechados, não está a dormir! Mamar exige muita energia: eles poupam-na ficando quietinhos e de olho fechado e fazendo a força só na boquinha. A minha filha chegava a passar uma hora na minha mama: havia dias que fazia intervalos de 4,5 horas e tardes em que de meia em meia hora estava a pedir mama.
    Se o bebé mamar o que quiser, quando quiser e largar a mama por si, podem ter a certeza que não terão um bebé mal-nutrido!Sim, dá mais "trabalho", mas tem muitos mais benefícios!

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  2. Subscrevo o que foi dito aqui até agora e acrescento: é mesmo muito fácil desistir de amamentar. Tive a nossa bebé cerca de 48h a seguir ao parto em casa, a dormir ferrada e nada a acordava para a mama. Tive o apoio fantástico da Cristina Pincho que, vindo cá a casa, ajudou a ganhar um novo fôlego com uma série de truques e dicas e, acima de tudo, muito apoio para tudo o que vinha pela frente. Disponibilizando-se para atender qualquer telefonema com dúvidas e sempre a encorajar, sem pressionar ou julgar.
    Finalmente a Irene mama muito bem, quando quer e tenho alento para enfrentar o regresso ao trabalho com mais coragem e perseverança para manter o aleitamento.
    Para chegar aqui tive que passar por algumas dores, muitas folhas de couve lombarda no peito (bendita!) e muita, muita paciência e lágrima.
    Valeu a pena? Cada uma delas! :-)

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  3. Olá moya e Patrícia,

    também eu contei com o apoio de duas escelentes Conselheiras de Aleitamento Materno. A Sofia Carvalho (Aquihá bebé) e a Cristina Pincho (Ser Mãe)deram-me todas as dicas necessárias para que a amamentação começar e se manter sem problemas. Se eu tivesse que escolher apenas uma prenda para o nascimento do meu filho seria essa, o apoio de uma doula/conselheira de aleitamento materno.

    Antes de o bebé nascer eu não estava muito repectiva a informações sobre amamentação porque pensei sempre que deveria ser um processo natural e simples. Infelizmente, rodeiam-nos de tanta imnformação contraditória que tudo acaba por se complicar.

    Admiro todas as mulheres que tiveram que passar por esta fase sem apoio especializado e todas as que, por falta desse apoio, não conseguiram manter a amamentação pelo tempo que desejariam. Agora que sei como sobreviver a subidas do leite, más pegas, dores, picos de cesrcimento, bebés que choram etc... sinto-me ultrajada por ter passado três décadas na ignorância. Poderiam incluir a temática da amamentação nos programas escolares. Penso que este pormenor seria de grande utilizada para toda a gente.

    beijinhos

    beijinhos

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  4. só agora é que vi que escrevi "escelentes" em vez de "excelentes". Insisto em escrever com erros deste género :( Até quando poderei culpar o mummy brain?

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