O parto e as origens da violência

O Parto e as Origens da Violência Contribuição de Michel Odent, M.D. 03 de Agosto de 2009

Prevenir a violência ou desenvolver a capacidade de amar: qual perspectiva? Qual investimento?

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 a primeira hora seguinte ao parto é um período crítico no desenvolvimento da capacidade de amar. Enquanto a mãe e seu recém nascido estão próximos um do outro após o parto, eles ainda não eliminaram de seu sistema as hormonas que ambos segregaram durante o processo do parto. Os dois estão em um equilíbrio hormonal especial que durará apenas um curto período e nunca mais acontecerá.  Se considerarmos as propriedades destas diferentes hormonas e o tempo que leva para as eliminar, entenderemos que cada hormona tem um papel específico a desempenhar na interacção entre mãe e bebé.

Dados recentes tirados de diferentes ramos da literatura científica apresentam uma nova visão da sexualidade. Há uma hormona do amor, e também um sistema de recompensa que opera cada vez que nós, animais sexuais, fazemos alguma coisa que é necessária para a sobrevivência da espécie.

A ocitocina é uma hormona que está envolvida em qualquer aspecto do amor. Ela é segregada por uma estrutura primitiva do cérebro chamada hipotálamo, então ela é absorvida pela glândula pituitária posterior, e, de repente, é lançada na corrente sanguínea em circunstâncias específicas. Até recentemente, pensava-se que a ocitocina fosse uma hormona feminina cuja única função fosse estimular as contrações do útero durante o parto e expulsão, e as contrações dos seios durante a lactação. Agora ela é vista como uma hormona feminina e masculina envolvida em todos os diferentes aspectos da vida sexual.

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Hormônio do Amor Altruísta
É claro que uma liberação de ocitocina é necessária durante o parto: os obstetras já sabem disso há muito tempo. Mas até agora eles não têm se interessado no pico de ocitocina que é liberada logo após o nascimento do bebê. A importância deste pico é aumentada quando ligada ao conhecimento de que a ocitocina pode induzir um comportamento maternal. Quando ela é injetada no cérebro de ratos machos virgens, eles começam a tomar conta dos filhotes e a se comportar como mães. Se, ao invés disso, antagonistas da ocitocina forem injetados no cérebro de mamães ratas logo após o nascimento, elas não tomam conta direito de seus filhotes. 

Pode-se afirmar que um dos maiores picos de secreção da hormona do amor que uma mulher pode ter em sua vida é logo após o parto, se o parto acontecer sem intervenções com hormonas substitutas (isto é, sem indução). Também parece que o feto liberta ocitocina que poderia contribuir para o começo do trabalho de parto, e isso pode moldar a capacidade do próprio bebé de libertar a hormona do amor.

Nós também sabemos mais hoje sobre a liberação de ocitocina durante a lactação. Foi recentemente mostrado que assim que a mãe ouve um sinal de seu bebé com fome, seu nível de ocitocina aumenta. Um paralelo pode ser feito com a excitação sexual que começa antes que haja qualquer estimulação da pele. 

Quando o bebé suga, os níveis de ocitocina liberados pela mãe são quase os mesmos que durante o orgasmo – outro paralelo entre estes dois eventos na vida sexual. Além do mais, há ocitocina no leite humano. Em outras palavras, o bebé que é amamentado absorve uma certa quantidade de hormona do amor via trato digestivo. Mais ainda, quando dividimos uma refeição com outras pessoas, nós aumentamos o nível de ocitocina: a única conclusão possível é de que a ocitocina é uma hormona altruísta, uma hormona do amor.

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Como a lactação é necessária para a sobrevivência dos mamíferos, não é de surpreender que o sistema interno de recompensas encoraje uma mãe a amamentar. Quando uma mulher está amamentando, seu nível de endorfinas vai ao máximo em vinte minutos. O bebê também é recompensado por mamar, já que o leite humano contém endorfinas.

Este é o motivo pelo qual alguns bebés se comportam como se estivessem “altos” depois de mamar.

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A fase final (do parto) é sempre um “reflexo de ejeção”, e termos como “reflexo de ejeção do esperma”, “reflexo de ejeção do feto” e “reflexo de ejeção do leite” sugerem esta aproximação. Eu adotei o termo “reflexo de ejeção do feto” (que era usado anteriormente para se referir a mamíferos não humanos) para me referir às últimas contrações que precedem o nascimento de humanos quando o processo de parto aconteceu sem perturbações e sem ajuda. Durante um “reflexo de ejeção do feto” típico, as mulheres têm uma tendência de se manter em posição ereta, têm a necessidade de agarrar alguma coisa ou alguém, e estão cheias de energia. Algumas mulheres parecem estar eufóricas, outras parecem estar bravas, enquanto outras expressam um medo transitório. Todos estes comportamentos são compatíveis com uma liberação repentina de adrenalina. Eles estão associados a duas ou três fortes contrações.

Este reflexo é quase desconhecido em salas de parto hospitalares, e é raramente visto até mesmo em partos domiciliares se outra pessoa assumir o papel de "treinador", "guia", "ajudante", "pessoa de apoio", ou "observador."

O cérebro primitivo

Para os seres humanos, a principal glândula que trabalha durante cada tipo de conduta sexual é o cérebro. Em ciências biológicas modernas, o cérebro é visto primariamente como uma glândula que libera hormônios. Mas somente as estruturas do cérebro primitivo localizadas no e ao redor do hipotálamo – aquelas que nós dividimos até com o mais primitivo dos mamíferos – estão ativas durante a cópula, o parto e a amamentação. Os humanos têm um neocórtex — uma estrutura cerebral desenvolvida recentemente – que apóia o intelecto sobre e ao redor da estrutura do cérebro primitivo.

Quando este cérebro racional está super activo, ele tende a inibir o cérebro primitivo. Durante o trabalho de parto, há uma fase em que a parturiente se comporta como se estivesse em outro planeta. Para chegar ao “outro planeta”, ela tem que mudar seu nível de consciência reduzindo a actividade de seu neocórtex. Inversamente, durante o trabalho de parto e durante qualquer tipo de actividade sexual, qualquer estimulação do neocórtex tem um efeito inibidor: discussão lógica, se sentir observado, luzes brilhantes, etc. Poucos casais conseguem fazer amor se se sentirem observados ou se seu neocórtex for estimulado por luzes brilhantes ou por pensamentos lógicos.

É irónico que os mamíferos não humanos, cujo neocórtex não é tão desenvolvido como o nosso, têm uma estratégia para parir e num estado de privacidade. O sentimento de segurança é um pré-requisito para o estado de privacidade. Para se sentir seguro, você deve se sentir protegido. Nos lembremos de que a parteira original era geralmente a mãe da mulher que estava parindo. Outras parteiras eram substitutas para a figura materna, que é, antes e, sobretudo, uma pessoa protectora.

Olhar a sexualidade como um todo tem muitas implicações. Nas sociedades onde a sexualidade genital é altamente reprimida, as mulheres têm menos probabilidade de terem partos fáceis. Contrariamente, o controle excessivo e rotineiro do processo de parto, provavelmente influencia outros aspectos de nossa vida sexual. Nós precisaríamos de um artigo inteiro para estudar estas relações, que são encontradas em muitos textos antropológicos do início da etnologia moderna. Nós vemos as mesmas relações quando comparamos as estatísticas de parto do final do século XX em países europeus: os partos são mais fáceis na Suécia do que na Itália.

É claro que amor e sexualidade não são sinônimos. Ninguém pode definir o amor, e ninguém pode analisar diferentes formas de amor com precisão. A maior forma de amor entre os humanos pode ser o amor da Natureza, um grande respeito pela Mãe terra. A primeira hora após o parto, o primeiro contato do bebê com sua mãe pode ser um período crítico no desenvolvimento do respeito pela Natureza. Pode haver um elo entre o relacionamento com a mãe e o relacionamento com a Mãe Terra. Já houve algumas, embora raras, culturas nas quais não havia desculpas possíveis para interferir no primeiro contato entre a mãe e o bebê. Nessas culturas, a necessidade de dar à luz em um local privado era sempre respeitada. Tais culturas se desenvolveram em locais onde o ser humano tinha que viver em harmonia com o ecossistema, onde era uma vantagem desenvolver e manter o respeito pela Mãe Terra.

Uma revolução ocorrerá na nossa visão de violência quando o processo do nascimento vier a ser visto como um período crítico no desenvolvimento de nossa capacidade de amar.

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