Afinal o que diz a OCDE sobre a primeira infância? Espantem-se!


Levada pela curiosidade, acabei por dedicar parte da minha noite à leitura dos estudos e estatísticas da OECD Family database.

O primeiro relatório que chamou a minha atenção foi o Doing Better for Children, nomeademente o capítulo 7, que é o as conclusões (é assim que faz quem pesquisa cheia de sono e entre mamadas) e o das recomendações aos Governos.

Transcrevo, em tradução livre, resumo e comento as questões que mais me chamaram a atenção. Deixamos as referências bibliográficas para outras núpcias (desta feita por preguiça e não por qualquer outra causa).

Começamos logo por ler que, "o bem estar das crianças está nas agendas políticas". A sério, quem diria? Será que se referem a todos os países da OCDE?

É feita uma análise da relação entre as medidas de política e o bem estar das crianças e é interessante verificar que para o binómio "educação/primeira infância (considerando-se aqui dos 0 aos 5), a correlação é negativa, a qualidade da vida em equipamento educacional tem uma correlação muito baixa sendo que o que é realmente determinante é a saúde e segurança, mais importante do que o rendimento disponível, na família.

Gostava muito de ver esta análise feita para as crianças dos 0 aos 3 anos e logo veríamos se a correlação relativa à qualidade da vida em equipamento passava de baixa a negativa.


A variável saúde e segurança vai perdendo preponderância à medida que a criança cresce, até que se dilui por completo na adolescência e juventude. Ao longo do percurso, ganham peso as variáveis "qualidade da vida em equipamento escolar" e, mais tarde, "bem estar material".

Pergunto-me que qualidade de vida em equipamento escolar terão as crianças que estão obrigadas a deslocações demoradas até à escola primária devido ao encerramento de centenas de estabelecimentos de ensino em todo o país?

De acordo com as recomendações da OCDE, os Governos deveriam concentrar as despesas no periodo que vai desde a concepção à entrada da escola primária por forma a garantir mais eficiência e equidade. Este investimento desde a concepção à idade escolar, tem efeitos nas despesas com crianças e jovens em risco dado que, pela prevenção, leva a uma diminuição destas situações. Desta forma, haveria mais recursos disponíveis para aplicar nas situações em que, apesar do investimento precoce generalizado, as situações de risco de verificam.

Os Governos devem, de acordo com a OCDE, garantir que investimentos em situações de risco na infância e juventude são complementares do investimento realizado na primeira-infância. Sabe quem trabalha em intervenção social em Portugal que as situações são sinalizadas quando existe risco e/ou perigo sem que tenha existido qualquer intervenção de carácter preventivo na primeira infância.

As intervenções na primeira infância devem ser em dinheiro e em serviços.

A OCDE recomenda que se faça:
  • melhorar a qualidade de vida in-utero é fundamental, nomeadamente, através da redução de consumo de tabaco e melhoria da dieta das grávidas;
  • o número de consultas pré-natal pode ser reduzido para a generalidade das grávidas e intensificado para as que apresentem algum tipo de "risco" físico, emocional e social. Por exemplo, é de suma importância trabalhar com as grávidas e casais no sentido de fornecer as informações necessárias para o desenvolvimento das competências parentais necessárias ao bem-estar na primeira infância (parace tão óbvio, não é?)
  • Fazer as alterações políticas necessárias para que o apoio à amamentação seja efectivo. Fornecer às mães e à sociedade em geral informações sobre os benefícios da mesma. (por cá, as instituições de apoio dão às mães carenciadas latas de leite em pó em vez de apoiarem a amamentação. Quando se sabe que a amamentação é um meio para a criação de um vínculo forte entre mãe e filho, diminui a possibilidade de abandono e maus tratos, melhora a saúde do bebé e da lactante, é gratuita... enfim....)
  • Garantir que existem as condições para que a a amamentação possa ser feita, em exclusivo, até aos 6 meses como recomenda a OMS: ajustes à licença parental, alterações na forma como as maternidades e hospitais lidam com a mesma, criar condições nos locais de trabalho;
  • Programas para melhorar os serviços pós-natal, intensificando-o para as situações que apresentam maior risco (ou, em Portugal, criar este apoio porque não existe).
Dado como um bom exemplo de política nacional é o "sistema de cascata" utilizado na Austrália - Every Chance for Every Child - que consistem num sistema de visitas domiciliares pós parto que permite determinar quais as famílias que necessitam de um apoio próximo.
  • desmedicalização do parto e aumento da utilização de enfermeiras e parteiras em vez de obstetras e pediatras o que leva à diminuição dos custos sem diminuir a qualidade dos cuidados pré-natais.
A OCDE pede que se evite:
  • gastos desnecessários com políticas de nascimento universais e que incitam a partos altamente medicalizados;
  • estadias prolongadas na maternidade que não acrescentam nada ao bem-estar da criança;
  • consultas pré-natal demasiado focadas no risco médico e sem qualquer orientação para o risco social;
  • demasiados contactos pré-natal para grávidas de baixo risco, médico social;
  • alocação de recursos a programas dirigidos aos jovens que já passaram a idade da escolaridade obrigatória dado que este investimento vai, quase totalmente, para famílias com mais recursos (pois claro, são os que conseguem lá chegar!).

Uma grande parte do relatório é dedicada às políticas relativa as famílias pobres que, sendo as que mais nos preocupam, não deverão ser as únicas visadas na promoção do bem-estar infantil


Apenas 3 países da OCDE construíram uma estratégia nacional para a infância (Irlanda - National Children’s Strategy. Our Children – Their Lives (Ireland, 2000); Nova Zelância - Agenda for Children (New Zealand Ministry of Social Development, 2002); Reino Unido - Children’s Plan. Building Brighter Futures (Department for Children, Schools and Families, 2007), sendo as suas orçamentações reduzidas e sua eficácia na contribuição para o bem estar das crianças, desconhecida. Ainda assim, "está na agenda" (lol).

Claro que ter uma estratégia nacional não é a única forma de actuação. Muitos países optam por criar metas e indicadores relativos a determinada área, neste caso o bem estar na infância, e a sua medição dar-nos-ia os avanços e recuos face à meta. Claro que, para tal, as metas e indicadores teriam que ser bem definidos, os dados bem recolhidos e as avaliações feitas com rigor e clareza, o que, pelos vistos, não acontece.

Outras formas de actuação passam pela legislação (transversal ou sectorial) e o aumento dos rendimentos das famílias. Curiosamente, estudos longitudinais mostram que o rendimento não é preponderante para o bem estar das crianças dado que factores como a idade dos pais e o seu nível de escolaridade interferem nesta relação que se pensava ser de causa-efeito. Claro que rendimento (ou a falta dele) é dado como determinante para o bem estar das crianças quando se trata de famílias pobres a par de todas as outras questões que emergem quando se trata de contextos de pobreza.

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