Eu (não) sou a melhor mãe do mundo. Tu (não) és a melhor mãe do mundo - Parte I


Esta semana, uma das leitoras do blog questionou de uma forma muito simpática, se os meus textos não contemplariam um certo julgamento, sentimento de superioridade pelas minhas práticas parentais e/ou pena pelas crianças cujos pais não pensam/agem como eu.
Na altura, respondi prontamente que não, que não é essa a minha perspectiva e que sei que o mais importante é o amor. O amor tudo suplanta e a falta dele tudo pode destruir.
Respondi também que, de futuro, iria ter o cuidado de não deixar passar essa sensação nos meus textos.
Dito isto, fui fazer o almoço e, à medida que ia colocando os ingredientes na panela, começou a crescer em mim uma certa indignação pela resposta que dei ao comentário. Não havia sido honesta. Afinal pensei eu, todos nós, em várias áreas da nossa vida, consideramos que as nossas crenças, opções e práticas são as melhores, consideramos que somos especiais porque fazemos isto ou aquilo melhor, ou particularmente bem. Negar que, relativamente a algumas opções e práticas parentais, me sinto diferente, melhor ou especial, foi uma atitude hipócrita.
No segundo em que este pensamento me assolou fui imediatamente abalada por um duplo desconforto: primeiro, o desconforto de admitir que estes sentimentos de suposta superioridade fazem parte de mim; em segundo lugar, o desconforto que acarreta qualquer tipo de comparação, i.e., no momento em que torno os julgamentos conscientes estou julgar-me a mim mesma num Spectrum onde poderá haver muito “pior” do que eu e muito “melhor” do que eu.
Não quero com isto dizer que eu penso que sou melhor mãe do que a Tira ou a Ticha. Não é isso. O que tenho que admitir é que considero que as práticas X ou Y são melhores para a condição humana do que as práticas K ou Z e isto encerra em si um julgamento que não quero fazer.
Exemplificando, eu era fumadora e deixar de fumar foi-me muito difícil, aliás, ainda é. Igualmente difícil é impedir este julgamento automático e silencioso que emito sempre que vejo uma grávida/mãe a fumar. Não quero com isto dizer que penso “eu sou melhor do que ela porque deixei de fumar” mas pensarei algo como “como é que sabendo do mal que o cigarro faz ao bebé ela continua a fumar” ou “será que tentou deixar de fumar? Coitada, se calhar não consegue” seguido de “coitado do bebé que está a receber todo aquele fumo.” Geralmente esta cascata de pensamentos termina com algo como “que bom que deixei de fumar”, “que sortudos somos”.
Será que sou a única mãe a experimentar este sentimento de estar a fazer “a coisa certa” implicando que os outros estão errados, a experimentar este sentimento de superioridade, ou de orgulho? O que fazer para transmutar estes sentimentos para algo de positivo para toda a gente? Foram estas a questões que coloquei às queridas mães com quem partilho e de quem recebo importantes reflexões sobre a maternidade.
Os conselhos e questionamentos que se seguiram são tão surpreendentes e iluminadores que não resisto a partilha-los com quem lê este blog (especialmente contigo, querida Marina, a quem agradeço, novamente, a coragem de fazer a pergunta certa).
Várias das mães responderam que às vezes julgam outras mães ou pais por terem escolhido um caminho deferente do seu. Esta tendência para julgar, comparar, valorar, tende a desaparecer à medida que as crianças vão crescendo ou o nº de filhos vai aumentando.
Quando somos mães, acedemos a um manancial de informação que jamais havíamos vislumbrado. De toda a informação disponível, escolhemos a que mais se adequa à nossa situação, possibilidades e crenças e daí a sentirmos a urgência de a transmitir a toda a gente que encontramos pelo caminho, é um passo. Possivelmente é este sentimento que está subjacente aos intermináveis conselhos que ouvimos desde que engravidamos. Toda a gente parece ter uma opinião ou saber o que é melhor para um bebé. Toda a gente seleccionou a informação que mais se adequa à sua situação e segue, vida fora, a transmiti-la a toda a gente como sendo verdade absoluta. Foi este sentimento da necessidade de permitir que os outros possam aceder a informação que para mim é tão valiosa que me levou a iniciar este blog. Penso que será esta a necessidade subjacente à existência da maioria dos blogs alimentados por mamãs.

Mas, esta é uma área mesmo muito sensível. Ninguém fica chocado se a pessoa A considerar que canta melhor, dança melhor, se veste melhor, controla melhor as poupanças, cozinha melhor, comunica melhor, conduz melhor, se alimenta melhor … do que a pessoa B. Mas, ao transpor esta escala de valoração para as opções parentais as coisas complicam-se.
O que torna a valoração das práticas parentais tão desadequada?
Todas as mães fazem o melhor que podem com os instrumentos/conhecimentos de que dispõe. Podemos dar o exemplo da mãe que fuma activamente durante toda a gravidez. Subjacentes, estarão pensamentos como “mal consigo lidar com todos os problemas que tenho e com a gravidez como é que ainda vou conseguir deixar de fumar” ou “vou fumar e não quero saber se isso faz mal aos meus filhos porque não os amo”? A resposta parece óbvia e facilmente se percebe porque se torna impossível fazer julgamentos.
Parece óbvio que a mãe que fuma durante toda a gravidez está a prejudicar a sua saúde e a do seu filho mas muitas das práticas desta mesma mãe poderão garantir uma vida mais saudável e feliz do que, por exemplo, as de uma mãe não fumadora mas emocionalmente distante e fria (podemos multiplicar os exemplos quase até ao infinito).
Assim sendo, uma das formas de ultrapassar o julgamento inicial é pensar sempre “o que é que esta pessoa tem para me ensinar?”, “o que é que esta pessoa tem/ faz que é único e especial?” Todas as pessoas e todas as mães tem algo de especial, basta procurarmos em vez de nos centrarmos no que pensamos que estão a fazer mal.
Uma das situações que mais me impele a julgamentos é quando uma mãe diz – continuando com o exemplo do tabaco – “eu gostava de deixar de fumar mas não consigo”. Eu, que deixei mesmo de fumar a muito custo penso automaticamente “isso dizes tu. Não paras porque não queres/ esforças”. Uma das sugestões que me deram para conseguir ultrapassar este julgamento automático foi a de pensar em que áreas da minha vida eu também “gostaria de…” mas ainda não estou conscientemente disposta a empreender, a fazer um esforço grande para mudar e pagar o preço dessa mudança? Seguramente há várias áreas em que me sinto na mesma situação e experimentar esse sentimento é a forma mais simples de imediatamente compreender pelo que aquela mãe está a passar.
Outra ferramenta muito útil é a de pensar em que é que as minhas práticas e opções são recrimináveis aos olhos dos outros? Ou quais as minhas práticas e opções totalmente erradas para os outros? Exemplificando, eu escolhi dormir com o meu filho. Li, reli, conversei com outras mães, convenci-me de que é o melhor e lá estamos nós a dormir juntos. Eu posso garantir, com 100% de segurança que é o melhor para o mim e para o meu filho (nem vou explanar aqui os motivos) e tendia a sentir-me triste quando alguém me julgava por esta opção e irritada quando alguém me tentava convencer do contrário. Isto porque eu não me deixei simplesmente levar pela corrente, eu escolhi fazer o que considerei ser o melhor.
Ora, sabemos que correntes teóricas há muitas, livros e especialistas também e que cada um sente as coisas à sua maneira. Uma mãe que leu e releu, conversou com especialistas e outras mães e que decidiu, escolheu, não dormir com o seu filho, também está 100% segura de que está a fazer a melhor opção e também se sentirá triste e julgada com as críticas externas. Também ela não se deixou levar pela corrente, também ela escolheu fazer o que considerou ser o melhor.

7 comments:

  1. Mas que texto fantástico! Concordo com cada palavra qui escrito. Por acaso ainda ontem estava a falar do teu blog ao meu marido exactamente na questão de "pais dormirem com os filhos". Não durmo, nem acho que é 100% "correcto" fazê-lo, mas compreendo o teu ponto de vista, assim como de muitos pais que o fazem. E quem fala da questão de dormir fala de muitas outras coisas já aqui abordadas! Tenho uma forma muito diferente da tua de criar a minha filha, e claro que acho que estou certa, pois se não achasse, mudaria!! No entanto gosto de ter conhecimento de diferentes formas de criar e educar, embora saiba que são mt diferentes das minhas. Por isso gosto tanto de ler o teu blog. Parabéns e continuarei a passar por cá.
    Bjinhos!

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  2. Adorei o post, e já estava para falar contigo acerca disso há algum tempo... Não exactamente sobre julgamentos (há BASTANTE pior por aí, no meio das, como tu mesmo chamaste uma vez, militante do peito ou algo que o valha :) Mas sobre saber ver a diferença como válida, e não como algo a combater. E, também sobre alguns termos que usas aqui no blog que, estes sim, embora largamente usados, carregam em si muito julgamento.

    Por isso, estou-me a sentir um bocado hipócrita também por nunca ter tocado no assunto, mas um dia falaremos, de preferência com uma boa chávena de chá bio-energético-qualquer-coisa à frente. ;)

    Um abraço apertado, Cátia!

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  3. É mesmo verdade, cada uma à sua maneira, todas achamos que o que fazemos é o que está certo. Para nós, para a nossa família. Eu acho que o que faço é que está certo e não me via a fazer algumas coisas que tu fazes. É por isso que o mundo não tomba! :)
    Beijinho

    PS- Tal como a Maria João também já conversei com o meu marido sobre o teu blog e a vossa way of life! Ele achou que eras louca, eu acho que és a melhor mãe que o teu filho podia ter! ;)

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  4. Acho este um belo post...e acho que há pais e mães melhores que outros...não sei quais são as melhores opções para todas as crianças, mas todos sabemos que há algo essencial o AMOR, o RESPEITO, o TEMPO DEDICADO aos nossos filhos...e também todos sabemos que falta isto a muitas crianças - têm pais menos bons...e na vida tudo são opções!

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  5. Acho que cada qual deve fazer aquilo que a sua consciência ditar. Para uns deixar o bebé a chorar é bom, para outros é horrível. Cada um que trate da sua prole da maneira que achar melhor sabendo que cada acção tem uma consequência. ;)

    Bom post, já agora. :)

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  6. Olá, eu leio os blogs de familia/filhos para saber o ke nunca deverei fazer e ser como mãe!Aprendi imenso com mta peixeira ke se julga fina por aí na blogosfera lol
    O ke devo fazer em relação aos meus filhos isso eu sei mto bem..estavam os meus filhos entregues à bicharada se precisasse de estudos na net tss tss

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  7. adorei o post. Muita seriedade.
    Pior julgamento de todos é o auto-julgamento.
    É o que mais faltava que as pessoas não sejam livres de manifestar o que acham (sabem) que são, com a devida integridade e respeito, em primeiro lugar por elas próprias.
    Agradar 'Gregos e Troianos' na consciência em que vivemos socialmente, é quase uma impossibilidade.

    Honestamente (esta é apenas a minha opinião, sem o mais e sem o menos) mesmo nos post's em que menos me identifiquem, nunca li julgamento algum. Li sim, sempre partilhas.
    Parabéns pelo blog e obrigada por partilhares este espaço tão acolhedor. :)

    beijinho.

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