A receita para uma mulher chegar a lugares de topo e salários correspondentes é tornar-se um homem. Mas solteiro e sem filhos.

  Aplausos meus para quem assim fala! E, provavelmente também ficava fula com a jornalista se me tivesse feito estas perguntas!

"Depois de ler e reler para crer o seu livro, a nm tomou a liberdade de fazer algumas perguntas a Catherine Hakim. Mas estas não foram bem recebidas. À beira de um ataque de nervos, resultante do facto de considerar que a jornalista tinha percebido tudo mal ou nem sequer se tinha dado ao trabalho de ler o seu livro, quando perguntada se pensava realmente que o que a maioria das mulheres queria era ser dona de casa, tomar conta dos filhos e ser economicamente dependente do marido, a professora vociferou que nunca tinha feito tal afirmação. «O que eu disse é que a maioria das mulheres quer que o homem seja o que ganha mais e prefere um marido com um salário elevado, de forma a que a mulher/mãe possa escolher [entre trabalhar ou ficar em casa]. Isto é um facto, quer você goste ou não.»

E o facto de em Portugal a maioria das mulheres ter um trabalho a tempo inteiro e ainda ter de arcar com a grande parte das tarefas domésticas, o que lhe diz? Porque faríamos tanto esforço se não quiséssemos ser independentes? A avaliar pela resposta, Hakim não percebeu ou não quis perceber: «Nunca ninguém me deu uma boa explicação para isso, nem os meus colegas portugueses, quando os questionei em conferências. Você certamente também não sabe e baseia-se no preconceito."


in DN

Fantástico. eu sou uma das colegas portuguesas, socióloga, que estuda as questões de género. Tenho a resposta à pergunta da autora na ponta da língua. São dois os motivos:

a) primeiro as mulheres portuguesas esfalfam-se a trabalhar fora de casa e em casa porque a maioria das famílias portuguesas, quando comparadas com os países do norte da Europa, são pobres;

b) para além das dificuldades em acesso aos bens de consumo e aos serviços (o lado económico) as famílias portuguesas carecem de apoio de um estado providência que nunca existiu na verdadeira acepção da palavra e de uma sociedade providência que está cada vez mais incipiente.

Em suma, sozinhas e sem recursos as mulheres portuguesas matam-se a trabalhar em todas as frentes, não é por prazer, é por necessidade.

As investigadoras, feministas, que estão na base dos estudos e das medidas políticas que às mulheres portuguesas dizem respeito não admitem isto em conferências internacionais nem nacionais, também por dois motivos:

a) porque, em todos os domínios, temos o habito de encapotar a real situação do país, o que será que nos leva a lutar tanto contra a exclusão social esquecendo a pobreza? porque é que nos querem convencer de que o nosso único problema são os desempregados  quando há milhares de famílias que trabalham e passam fome? Que medidas de política para os trabalhadores pobres? aposto que isso faria muito mais pela igualdade de género do que a demagogia dos estudos idiotas que por cá se fazem. sabiam vocês que 40% da famílias pobres em Portugal tem, pelo menos, um elemento que trabalha?;

b) em segundo lugar, as senhoras investigadoras que participam nessas conferências internacionais e não sabem explicar porque é que as mulheres portuguesas se matam a trabalhar , se o são e se o fazem, não será porque não fazem parte do grupo maioritário de mulheres portuguesas que são pobres? Não será porque elas podem terciarizar serviços domésticos? não será porque elas não fazem parte do grupo maioritário de mulheres portuguesas que trabalham por necessidade?

Gostava que fosse feito um estudo sobre as mulheres/investigadoras/ feministas portuguesas para ficarmos a perceber exactamente quem são. Pergunto-me se uma bolseira, jovem, com um filho e um apartamento para pagar ao banco trabalha para subir na carreira ou para pagar as contas.

Também gostava de saber se a jornalista perplexa com os resultados do estudo tem filhos e, caso seja casada, se o marido ganha ou não mais do que ela.

Cada dia que passa se torna mais impossível para mim ser socióloga e investigadora num contexto em que, em nome da igualdade, as mulheres são tão desrespeitadas por quem proclama estar a defende-las.

Eu não quero defesa, quero liberdade de escolha e eu escolho a família em detrimento do trabalho porque eu, quando tiver 80 anos e já tiver sido esquecida/descartada pela minha entidade empregadora, quero beber chá quente e contar histórias aos bisnetos sabendo que estou rodeada de amor e carinho, independentemente do nº de assoalhadas que tiver a casa onde me encontro. Claro que se me fosse possível fazer esta opção e continuar a receber um salário, como fazem as minhas congéneres, escandinavas, estaria muito mais satisfeita mas, não sendo tal possível, deixem-me ser pobre e amar os meus em paz.

Não se preocupem que as minhas opções não vão por em causa o movimento feminista nacional. Continuem a masculinizar-se em nome da igualdade mas sem mim.

5 comments:

  1. Perdeste-me no fim: "Continuem a masculinizar-se em nome da igualdade mas sem mim".

    Há quem tenha genuíno prazer em trabalhar e deteste a vida doméstica a tempo inteiro. Não é uma questão de afirmação, muito menos de masculinidade: é por gosto, por realização, coisa tão feminina quanto criar um filho ou amar um marido.
    Não sei das estatísticas, mas a enorme maioria das mulheres que conheço não deixaria de trabalhar mesmo se pudessem.

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  2. Olá Melissa, estava eu a ligar de novo o computador para vir acrescentar algo que ia ao encontro do que dizes.

    Estamos a falar de quem trabalha por dinheiro e deixaria de o fazer de tivesse como aceder a bens de consumo mesmo sem ele; falamos também da corrida por melhores salários, da corrida ao topo das carreiras e da jornada dupla (trabalho/ casa) a que tantas de nós se vê obrigada.

    Não estamos a falar das muitas mulheres que afirmam com 100% de certeza identificarem-se de tal forma com o seu trabalho que não podem viver sem ele. Relativamente a estas vejo também duas hipóteses:

    a) estão tão alienadas que não reconhecem a importância de desenvolver mais a intimidade do que um trabalho que pode até ser chato;

    b) são umas sortudas que fazem exactamente aquilo de que gostam.

    Espero que todas as mulheres que lêem este blog se encontrem nesta segunda categoria.

    Penso ainda que não interessa de se é mulher ou homem, se há ou não filhos, este endeusamento do trabalho e esta necessidade de atingir a igualdade de género por via do mesmo é uma distorção do significado da vida humana. Viver não é trabalhar de forma remunerada.

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  3. Adorei o post! :) Beijinho

    Privatizei o meu blog, mas se nos quiseres visitar terei todo o gosto em enviar um convite. O meu mail é marinapires79@hotmail.com

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  4. Pungente e objectivo, como sempre. Adorei!

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  5. "Viver não é trabalhar de forma remunerada".

    Aí concordamos inteiramente, acho que o trabalho foi uma invenção do diabo e passávamos bem melhor sem ele, aliás, fomos feliz sem ele durante milhares e milhares de anos.

    Só discordei que a maioria das mulheres trabalhe por afirmação, acho que é mesmo por necessidade ou gosto. Por afirmação, digo eu, era mais na geração das nossas mãe - mas isso já é uma opinião minha.Aliás, na verdade, toda a noção de género e papéis esperados é, para mim, um bocado perturbadora.

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