Como, quando e porque é que decidiram não por os meninos na escola?

Quem me conhece pessoalmente sabe que há quase uma década que me dedico à minha família é à maternidade de forma (quase) exclusiva, poucas são as oportunidades que tenho - e isto entende-se ao pai dos meus filhos - para sair e conviver, sem as crianças. Nem sei se lhe deveria chamar “oportunidades” já que estas não surgem espontaneamente, são criadas e nós não nos dedicamos a criar oportunidades para sair de casa, só entre adultos, para estar com amigos, para viajar ou estar sozinhos, nós fizemos outras escolhas.  

Quando digo que me dediquei à maternidade, não pretendo insinuar que me tornei uma “fada do lar”, que passa o dia entre os tachos, a criar refeições divinas (embora eu tenha muitas vezes a sensação de que passo, efectivamente, uma grande parte do dia na cozinha, sobretudo a lavar loiça) e tem uma casa, jardim, horta e filhos imaculados,sem nódoa que se possa apontar. Pelo contrário, o caos parece ser uma constante nas nossas vidas e isto porque decidimos não por os meninos na escola, pelo que, só não há correria, gritaria, gargalhadas e muita vida nesta casa, quando as crianças estão a dormir e, por essas horas, já nós estamos também cansados demais para pensar em gastar o último fôlego a tornar de revista, a casa que se vai, inevitavelmente, desarrumar e encher de vida no dia seguinte.

Ora, o que faço eu então, que me tornei “doméstica” e “dona de casa”, que a tal desafio dedico todo o meu tempo, se não o sou? Faço ensino doméstico!  Isto é, os meninos não vão ao infantário, jardim de infância, pré-primária e escola primária, aprendem connosco, em casa, e em vivências que lhes proporcionamos fora de casa (ainda não sei como vai ser no segundo ciclo pois ainda não chegamos lá).

Uma das questões que mais me colocam é uma variante de “como, quando e porque é que decidiram não pôr os meninos na escola?” e é sempre dificílimo de responder.

Não foi por eu não gostar da escola que um dia decidi que os meus filhos não iriam passar pelo mesmo. Eu sempre gostei da escola, aliás, eu era daquelas crianças que anseiam pelo regresso às aulas em Setembro e tive um bom percurso escolar. Até recentemente lecionava na universidade e considerava o sucesso escolar a melhor medida de sucesso pessoal. Também não foi porque um dos meus filhos tive algum tipo de dificuldade, ou má experiência na escola, eles nunca estiveram numa escola, como alunos.

Quando o meu filho mais velho tinha cerca de dois anos, fiz voluntariado numa escola ligada à pedagogia Waldorf. Este trabalho voluntário cumpria, para mim, vários objectivos, nomeadamente: o de sair do apartamento na cidade e estar, diariamente, em contacto com a natureza; o de estar com outros adultos e permitir ao meu filho brincar com outras crianças;  o de aprender mais sobre a pedagogia Waldorf e a antroposofia, de forma a trazê-la para o nosso quotidiano. 

Da experiência de voluntariado em contexto escolar poderia advir, ou não, a vontade de o meu filho, no ano letivo seguinte e já com três anos, integrar uma das turmas da escolinha mas, tal não aconteceu, pelo contrário, ele não tinha qualquer interesse em se juntar aos outros meninos ou seguir as educadoras para além dos tempos de brincadeira no recreio. 

Eu, que já há um ano lia e estudava todos os materiais que encontrava sobre ensino doméstico e unschooling, compreendia a sua recusa em integrar o grupo de crianças, em fazer parte da turma e, ao mesmo tempo, legitimava, com aquela experiência, as minhas descobertas de que existem formas de educar e modos de vida que não passam pela escola e que, sendo legais em Portugal, se apresentam, para nós, como uma escola legítima.

Foi por acreditar no ensino doméstico e no unschooling, por acreditar que é o melhor para a minha família que escolhi fazê-lo. Nenhuma escola, projecto alternativo, comunidade de aprendizagem, seria perfeita para nós pois a nossa escolha é viver sem escola.

Esta é a nossa estoria e a resposta mais verdadeira que podemos dar às perguntas “como, quando e porque” decidimos fazer unschooling. Mas, eu vejo pelos olhares dos meus interlocutores, que não é uma resposta que satisfaz. Talvez eu mesma não me apresente com muitas certezas e, de facto, não as tenho. Escolher fazer ensino doméstico não nos traz menos dúvidas do que escolher a escola pública mais perto de casa - com todas as vantagens e desvantagens que daí advém - quando se podia ter escolhido a melhor escola privada da cidade, ou, vice versa.  

É mais fácil explicar e justificar, porque se escolheu a escola com a pedagogia x ou y - permite estabelecer comparações com outras escolas e métodos de ensino, permite apresentar números, resultados - do que explicar porque se escolheu o ensino doméstico. É também mais fácil elaborar sobre as dúvidas em relação à escolha da escola ou tipo de pedagogia do que expôr, com terceiros, as nossas dúvidas sobre o ensino  doméstico.  

Quem escolhe uma muito boa, ou muito má, escola não tem nada a provar, o ónus da prova  está no corpo docente, eles é que tem que apresentar resultados. Quem opta pelo ensino doméstico, é responsável pela escolha, pela implementação diária e pela apresentação dos resultados o que dá muita margem, tanto para dúvidas, como para críticas. Mais difícil ainda é explicar porque se escolheu fazer deschooling e depois unschooling, isto é, não ir à escola nem fazer escola em casa.  

Um lugar comum seria dizer que é sempre mais fácil justificar e conversar sobre as escolhas e dificuldades da maioria do que da minoria e, em Portugal, somos um grupo muito residual de famílias em ensino doméstico.

Aprendi a não me perder em explicações sobre as nossas opções e a não expor as minhas dúvidas e incertezas, a quem tem, sempre teve e sempre vai ter, os filhos na escola, tal como, com quem faz ensino doméstico há menos tempo do que eu. Não é que não confie nestas pessoas, contenho-me porque, me diz a experiência, que o diálogo se torna infrutífero para ambas as partes. Com todas estas pessoas sou o mais vaga possível, de forma a manter a conversa interessante e útil para todos.

Também não me demoro em considerações e criticas à escola, ao sistema de ensino vigente, nem a sonhar e projectar uma escola ou uma comunidade de aprendizagem diferentes. O nosso dia-a-dia não passa pela escola, nem por participar na mudança dos modelos agora implementados. Para nós, a revolução faz-se em casa, em cada um de nós, um dia de cada vez.

Noutros tempos passava horas a escrever, nomeadamente neste blog, mas também já não escrevo sobre a maternidade, a família, a aprendizagem, em primeiro lugar porque não me sobra tempo para a escrita, em segundo lugar porque há tantas pessoas mais experientes do que eu, com trabalhos fantásticos e com tão grande capacidade de resposta às nossas dúvidas, que é para esses que quero encaminhar quem me questiona sobre os “como e porquê?” da escolha do unschooling, mas também, sobre o (ou os) “”como fazer unschooling e fazê-lo bem?”

E assim chego ao que me levou a escrever este texto, partilhar a minha lista de recursos para conhecer e fazer unschooling (*). Pensei que se estivessem todos reunidos no mesmo sítio, me seria mais fácil passar a informação, da próxima vez que surgir em conversa.

Espero que seja útil.

CONHECER O UNSCHOOLING. O que é, em que consiste a aprendizagem, que questões teórico- práticas se levantam quando se pensa em fazer unschooling? Quem pode fazer unschooling?
Fazer download e ler o Livro introdutório gratuito What is Unschooling da PAM Laricchia, disponível em  http://livingjoyfully.ca

É um livro conciso, muito acessível e que ajuda a compreender o que é o unschooling e que passos dar no sentido da desescolarização para que seja possível fazer unschooling bem.
Ouvir o podcast Celebrating the Unschooling Life, da Amy Childs, disponível em
http://unschoolingsupport.com/category/podcast/

Existem outros podcasts, até mais actuais, mas este é o de mais fácil compreensão e o mais resumido. Levanta questões que nos fazem repensar a nossa relação com o conhecimento e com a escola. Questiona as nossas ideias pré-concebidas sobre a maternidade, a família  e a infância. Toca nas questões emocionais importantes para que  seja possível fazer a passagem  do paradigma da escolarização para uma vida sem escola. Ideal para quem quer conhecer o unschooling ou para quem tem filhos pequenos, logo, pouco tempo para ouvir com atenção.

APROFUNDAR OS CONHECIMENTOS SOBRE UNSCHOOLING. Como se faz? O que é preciso para fazer unschooling? Que desafios, que obstáculos e que respostas existem? Quem são as famílias que fazem unschooling e o que posso aprender com elas? O que muda na relação de um casal com filhos em unschooling? Que trabalho emocional exige o deschooling e unschooling?

Ler os 3 livros da Pam Laricchia:
Free to Learn
Free to Live
Life through the Lens of Unschooling
Disponíveis para compra na Amazon ou no site http://livingjoyfully.ca/books/

Ler os dois livros da Sandra Dodd. São eles:
Moving a Puddle and other essays disponível em http://sandradodd.com/puddlebook
Big book of unschooling disponível na Amazon e em http://sandradodd.com/bigbook/

Os 5 livros são compostos de artigos e/ou capítulos pequenos que podem ser lidos separadamente, ideal para quem não dispõem de muito tempo. Tratam de todas as questões teóricas sobre o unschooling e a desescolarização, tal como, apresentam exemplos práticos de como viver em unschooling. Ajudam-nos a conhecer e repensar os obstáculos que se nos podem apresentar, dando ideias de como os ultrapassar ou, melhor ainda, ajudam-nos a ser proactivos no sentido de construir caminhos e experiências que permitem fazer unschooling bem.

Depois de ouvido o podcast e folheados os livros acima mencionados (ou enquanto os estamos ler, se  forem tão ávidos  de conhecimento  e tão cheios de perguntas como eu) é importante fazer pesquisas temáticas que nos permitam responder aos pontos em que sentimos mais curiosidade, mais medo ou resistência e/ ou necessidade de aprofundamento sede de saber. Questões como “o que fazer todo o dia?”, “como conseguir tempo para mim”, “devo limitar a exposição à televisão”, “se o deixar, vê tv todo o dia”, “já tem x anos e não aprendeu a ler” , “como vai aprender matemática?”, “como explicar o unschooling à família alargada?”, "então e a socialização?"  foram já debatidas, à  exaustão, ao longo de mais de 30 anos, por mães e pais de unschoolers, de todas as idades, e os melhores resumos dessas conversas, podcasts, conferências, artigos, blogposts estão nestes três links:
Pam Laricchia - http://livingjoyfully.ca

VIVER EM UNSCHOOLING. Viver em unschooling implica a pesquisa permanente de respostas para as questões quotidianas que, na ausência de escola e de regras arbitrárias, são geralmente diferentes do que encontramos nos recursos tradicionalmente disponíveis para as famílias. Assim sendo, importa estarmos rodeados das ferramentas e pessoas que nos tragam a inspiração e as soluções que nos permitem viver de acordo com os princípios fundamentais do unschooling e da nossa família. Para mim, são eles:

O blog Just add ligth and stir em http://justaddlightandstir.blogspot.pt/?m=1

Para receber, diariamente, frases curtas que nos inspiram e motivam no percurso da desescolarização e unschooling. Cada frase vem acompanhada de links para que possamos explorar os vários temas apresentados.

O podcast Exploring Unschooling. Disponível em http://livingjoyfully.ca/podcast-2/

É composto por entrevistas aprofundadas a famílias unschoolers de todo o mundo, de discussões de livros sobre unschooling ou temas afins que são tratados sob o ponto de vista do unschooling e de sessões de perguntas e respostas que tratam a maioria dos temas que surgem no quotidiano de uma.família unschooler. Vai no episódio 103 (Dezembro de 2017) e cada episódio tem cerca de 1 hora. Estão disponíveis as transcrições do podcast e em cada episódio são disponibilizados os links dos todos os recursos mencionados o que nos dá mais pistas de aprofundamento. Eu teria adorado conhecer este podcast quando tinha só um filho é entanto ele ainda dormir a sesta, para poder ouvir atentamente, tirar notas e, sem dúvida, aprender muito e evitar muitos dos erros que já cometi.

As mailing lists e grupos de discussão onde as nossas perguntas e desabafos são devidamente analisados e enquadrados para que, ao lermos as respostas, estejamos efectivamente a dar um salto qualitativo no sentido de ultrapassar as dificuldades.
Para mim este espaço foi, durante 6 anos, o grupo Yahoo Always Learning. Acessível neste link: https://groups.yahoo.com/neo/groups/AlwaysLearning/info

Actualmente, as interacções da Always Learning transitaram para o Facebook, num grupo igualmente moderado pela Sandra Dodd. Aqui fica o link para que possam aceder à informação sobre o grupo Radical Unschooling Info e decidir se querem, ou não, aderir http://sandradodd.com/facebookgroup
Tanto a Always Learning como o Radical Unschooling info foram desenhados para unschoolers experientes o que implica, pelo menos, ter algum conhecimento prévio sobre unschooling e ter a cargo crianças em idade escolar. Não são os locais adequados para colocar questões sobre o dia-a-dia com crianças pequenas mas, a leitura e pesquisa, em ambos, pode ser muito útil para quem tem filhos pequenos, está a fazer o seu próprio deschooling e pensa fazer unschooling quando as crianças chegarem a idade escolar.

Uma ferramenta mais recente é o grupo Facebook Unschooling Q&A, de.perguntas e respostas sobre unschooling https://m.facebook.com/profile.php?id=1133087283404040&ref=content_filter

Para quem tem filhos pequenos, existe o grupo Unschooling mom2mom early childhood https://m.facebook.com/groups/1139112776136514, da Sue Patterson - onde também escreve a Pam Sorooshian. Este grupo tem resumos semanais por e-mail para quem, como eu, não consegue acompanhar a efervescência de discussões simultâneas no Facebook https://suepatterson.lpages.co/weekly-wrap-up/

(*) Esta lista poderá vir a ser editada para incluir outros recursos.

8 comments:

  1. Adorei! Felicidades

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    1. obrigada. se tiver um blog, ou página, deixe aqui para eu seguir :)

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  2. Encorajador. Obrigado pela partilha!

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    1. Olá João, encorajador mas talvez também seja vago para quem, por exemplo, queira começar. quando me for possível farei uma compilação recursos portugueses.

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  3. Grata, parabéns e continuação de um feliz caminho!☀

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    1. tanta informação importante na vossa página. obrigada por passarem por cá :)

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  4. Obrigada pela compilação de recursos! Felicidades para a família!

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    1. obrigada Joana, para a sua também . gostei do blog catitas :)

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