Vinculação materna versus endeusamento do trabalho

e se a ideia de que faz bem às crianças ir socializar para o infantário for só mais um mito dos tempos modernos? desculpem se isto soa a provocação e não quero aumentar a angustia de ninguém. Até porque não tenho nada contra os berçários, creches, infantários e muito menos contra quem lá trabalha.


O meu problema é com a institucionalização do ser humano em nome da escravatura do triângulo trabalho/dinheiro/consumo. Recuso-me a aceitar que só existo enquanto consumidora, logo, enquanto alguém que trabalha de forma remunerada para poder consumir. Recuso-me a criar os meus filhos para serem normalizados e se tornarem em bons trabalhadores/consumidores.


Posto isto, todas as instituições perdem a sua razão de ser, berçários, infantários, creches, escolas, faculdades etc... incluídas. Recuso-me a aceitar que ser human@ não é mais do que calcorrear as instituições da vida, do berçário, infantário, creche, pré-primária, primária, liceu, secundária, faculdade, trabalho, lar de 3ª idade, cemitério. Quem se desvia da sacrossanta instituição está em falta, vale menos...

Claro que depois escrevo estas coisas com um aperto no coração porque ainda não tenho solução para a equação e porque também há muitos dias em que os meus sonhos são terraplanados pela realidade e tremo de medo do percurso em que acredito.


Se eu sou utópica? Sim, sou mas porque não acreditar numa nova utopia? Se conseguimos chegar à utopia disfuncional e escravizante em que vivemos, porque não conseguiremos chegar a uma mais humana, onde, por exemplo, mães e bebés não sejam separados em sofrimento em nome da produção e do dinheiro?


No dia em que a mãe e o bebé estão prontos para se separar, fazem-no sem sofrimento.


Custa-me também muito saber que continuamos a negar os efeitos nefastos que a forma como nós mesmas fomos acolhidas no mundo (parto) e cuidadas desde o primeiro segundo de vida, nos influenciou. Enquanto os adultos não reconhecerem que andam a vida toda a nutrir a "criança interior", a tentar ultrapassar as suas imitações, falta e de auto-estima, falta de alegria, porque a criança real que foram foi vítima das crenças individualistas de uma sociedade que valoriza mais o TER do que o SER, não vamos ter a coragem de mudar o paradigma.


Só porque toda a gente diz e faz de determinada maneira, isso não significa que esteja certo. Aliás, porque as duas gerações anteriores disseram e fizeram de determinada maneira, não significa que esteja certo. Este modelo social (nascimento, parto e maternidade, cuidados à primeira infância e infância incluídos) já mostraram que são falíveis, já provaram que causam desagregação social, sofrimento, pobreza, doença (não me digam que as doenças se devem ao aumento da esperança média de vida porque, pela primeira vez da história da humanidade, ela está a diminuir) para quê insistir? Para quê calar a voz interior que nos diz que algo não está bem? Para quê subjugar-me à maioria se é uma maioria infeliz e atormentada, agarrada ao supérfluo, ao fútil?



Não quero com isto dizer que vamos todas por uma venda nos olhos, tapar os ouvidos e ficar cegamente, em casa, agarradas aos nossos miúdos mas também me custa saber que as mulheres do mundo continuem a a ser mutiladas em silêncio (e não apenas no sentido figurado) ou a minimizar o sofrimento que sentem não admitindo a si mesmas que merecem mais e melhor.



Ah, e não me venham dizer "eu gosto muito do meu trabalho" que eu também tenho muitos trabalhos de que gosto muito mas isso não significa que me apeteça faze-lo todos os dias, no mesmo sítio, cumprindo os mesmos horários, com as mesmas pessoas, da mesma maneira e tendo como fim último a remuneração auferida.



Nem me venham dizer que o oposto do modelo actual baseado no trabalho é o caos e o ócio porque também não é verdade.

por Want a Miracle a Domingo, 27 de Fevereiro de 2011 às 12:34

1 comment:

  1. Que bom ler-te de novo!
    A m. foi a consulta dos 24 meses. O pediatra, apesar de receber imensas crianças de pais "alternativos" (inclusivé as que foram consultadas antes de nós nesse dia, que praticam ensino doméstico), perguntou se ela ainda estava em casa com a ama e a avó. nós respondêmos que sim. Aí ele perguntou em jeito de afirmação: mas até quando ficará ela assim? Para o ano vão pô-la na escola não é verdade? Eu lá disse que iamos começar a pensar nisso, que até aos 3 anos para nós não fazia sentido e que ela é muito sociavel (como se viu na festa de anos dela) e está com miúdos regularmente (quase sempre mais de 2 a 3 vezes por semana)... PAra nós, a criança precisa de um ou mais cuidadores exclusivos até aos 3 anos para um desenvolvimento maximizado (e não o que acontece nas creches, em que na melhor das hipóteses, é 1 para 3 ou 4)... Há estudos que o comprovam...
    Um comentário: se virem no youtube o episódio do Ruca "Tudo num só dia", reparem no comentário da educadora dele (a partir do minuto 7:07)... Porque é que uma mãe não pode almejar a dizer isto sem parecer que é ociosa?...

    ReplyDelete