O Mito da super mãe: naturalismo, conservadorismo...? Parte II (ou a real importância de uma definição quantificável de mãe)


Poderia opinar sobre o livro escrito pela filósofa e feminista francesa Elisabeth Badinter, mas ainda não tive oportunidade de o ler e, neste momento, estou mais intrigada com o debate nacional, em torno do mesmo, que parece ter ignorado uma das chaves que a autora fornece para a compreensão deste fenómeno, "a escolha".

O título, "Regresso do mito da super mãe" encerra em si um conjunto de contradições que são, na minha opinião, o espelho da importância atribuída na nossa sociedade às mulheres, às mães e às crianças.

Do (não) direito à escolha:

Parece-me interessante que as escolhas individuais em relação à maternidade sejam alvo de crítica pública e que estas críticas venham de mulheres que se dizem feministas e emancipadas. Ser feminista não implica ser masculina e, na minha humilde opinião, a tecnicização da gravidez, parto e cuidados aos bebés (incluindo aleitamento/alimentação) corresponde à masculinização do universo feminino. Se verificarmos atentamente, os movimentos feministas são mais ou menos conservadores, mais ou menos emancipados - dependendo do contexto em que se inserem - e por isso dissociar feminismo e maternidade parece-me ser um "erro grosseiro" só justificável numa sociedade que faz a apologia do sucesso mas nunca o associa à maternidade.

Da mãe presente e disponível:
É interessante verificar que se apelidem determinadas escolhas de maternidade de "presente" e “disponível” sem se problematizar o facto de estas poderem ser o antónimo de "maternidade ausente" e “mãe indisponível”. Também é interessante que nesta equação entrem apenas "mães presentes" que são donas de casa conservadoras e mães trabalhadoras/ emancipadas quando a maioria das mães se situa num cinzento intermédio ainda por definir. O que dizer das mães que estão em casa sendo ausentes e indisponíveis e das que "trabalham fora" sendo presentes e disponíveis? O que as define, as suas práticas e representações ou o local onde trabalham (ou a remuneração associada a esse trabalho)?

Da medida de felicidade:
Afirmar que o importante é a "qualidade" e não a "quantidade" de tempo que se passa com os filhos e que os filhos de mães trabalhadoras são mais felizes, tendo por base uma amostra constituída por mães isoladas na sua maternidade e nas suas vidas, descuradas por uma sociedade que não atribui valor nenhum ao trabalho doméstico e muito menos à maternidade traz à superfície a falácia da extrapolação em ciências sociais.
Quais seriam os resultados se a amostra fosse constituída por famílias cujas mães escolheram, de forma consciente e informada, alicerçada numa rede de suporte e em princípios bem estruturados, ser as principais cuidadoras dos seus filhos (não querendo isto dizer que deixou de ter uma existência fora do seio familiar)?

Do mito da super mãe:

Amamentar e estar presente para os filhos pode ser mesmo entendido como uma tirania para uma mãe que trabalha a tempo inteiro, tem 1001 responsabilidades dentro e fora do seio familiar. Ser mãe torna-se impossível quando se tem que ser também super mulher, super competente, super inteligente, super bonita, super sensual, super organizada, super divertida, super moderna… É ainda mais impossível quando a mulher tem que desempenhar todos estes "super-papeis" em total isolamento (procuram-se super pais, super avós...) e sem o reconhecimento social que é atribuído a todas as outras actividades que possa desempenhar. É sabido que o reconhecimento da importância do papel da mãe constitui uma ameaça à vigente dominação masculina e não quero com isto dizer dominação dos Homens porque o masculino e o menino estão muito para além dos sexos. Será por isso que a figura da “super mãe” nem na mitologia existe? Veja-se a histórica tentativa de acabar com a adoração das deusas-mãe.


Do regresso sem ponto de partida:
Diz-se que a "maternidade presente" é um "regresso ao naturalismo" qual movimento de "regresso ao verde", ao rural idealizado? De que estamos a falar concretamente, um regresso ao quê? Regresso à submissão feminina vivenciada nos últimos séculos? Onde se situa o ponto a que os "naturalistas" querem regressar?·

Sem atentar à contradição com o anteriormente enunciado, as escolhas parentais ditas presentes, são também vistas como um “retrocesso ideológico” fruto da escalada do conservadorismo típico dos tempos de crise - qual movimento patriótico, racista, xenófobo - o que demonstra um absoluto desconhecimento do perfil destas mães e famílias “presentes e disponíveis”.
Da motivação para a escolha das práticas parentais:
Não se fazem mães sem filhos e estes parecem estar sempre ausentes das discussões - mais ou menos ideológicas - em torno da maternidade/ parentalidade. Afinal, parto natural, a amamentação exclusiva e prolongada, o babywearing, a co-sleeping, a comunicação não violenta, a alimentação bio, a comunicação eliminação ... pretendem ir ao encontro das necessidades dos bebés, do ser humano enquanto espécie ou foram práticas inventadas para nos ajudarem a construir mais uma definição quantificável de mãe?

Dos pais e mães portugueses(as):
Quem são as mães e pais cujas escolhas geraram a discussão? Afinal, também falam português e vivem em Portugal? Quais as suas práticas, crenças, expectativas e representações? O que os motiva? Em que princípios se baseiam? Comunicam entre si? Há outras práticas, para além das parentais, que os unem?

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