Até acontecer o milagre de o bebé Sebastião estar dentro da minha barriga, eu não queria ter filhos e, mais importante ainda, não queria ser mãe.
Eu não queria "ter" - nem ter que lidar com - uma criança que chora; que não dorme, nem deixa dormir; que tem cólicas; que suja fraldas atrás de fraldas; que se empurra pela cidade num carrinho; que "exige" toda a nossa atenção; que não quer comer; que faz birras; que está sempre doente; que reage mal às vacinas; que desespera tudo e todos com o crescimento dos dentes; que gasta todo o orçamento familiar em parafernálias várias; que ocupa um quarto inteiro de uma casa onde todos os centímetros contam; que morde e bate nos pais; que "expulsa" os gatos de casa; que bate nos amiguinhos da creche; que não cresce, não engorda, não desenvolve; que "não se dá" com o leite em pó mais caro e raro do mercado; que só dorme na cadeirinha do carro; que parece bem no colo de toda a gente menos no meu; que é anti-social e não vai ao colo de ninguém; que está sempre toda suja; que nunca mais deixa de ser uma criatura dependente; que chora para por a fralda e uns anos mais tarde chora para a tirar....
Eu não queria ser a mulher/mãe que tem horrores do parto e prefere não pensar no assunto até à hora "P", a quem cai o cabelo e os dentes, que não tem "leite que chegue", cujo "leite é fraco", que tem dores ao amamentar; que fica em lágrimas porque não sabe o que fazer quando o bebé chora; que "bate com a cabeça nas paredes" pois não aguenta mais ficar sozinha com um bebé em casa; que sai de casa cheia de sacos e tarecos supostamente indispensáveis; que comprou um carrinho todo apetrechado e caro onde o filho se recusa a andar; que sobre ao 3º andar sem elevador com o carrinho de bebé às costas; que anda às voltas de carro com o único propósito de adormecer o bebé; que desespera com a comida que parece ir para todo o sítio menos para o estômago do pequeno; que se preocupa porque o bebé não cresce, não engorda, não desenvolve; que que enche o bebé de cremes pegajosos e fraldas de última geração e, ainda assim, ele anda sempre vermelho; que embala, abana, canta e a criança não para de chorar; que preparou um quarto todo bonito e caro onde o bebé se recusa a dormir; que não dorme, que não pensa e não vive enquanto está na presença do filho; que conta os minutos para se ver livre da criança e voltar a ter uns momentos de si mesma, uns minutos de vida adulta, sem bebés; que acredita que a sua relação está em perigo se não for uma semana (ou uns dias) de férias românticas; que conta os tostões para comprar roupas novas e brinquedos novos e ruidosos em nome do bom desenvolvimento da criança; que mete o bebé no parque,no carrinho, na cama de grades ou em qualquer outro apetrecho e desespera porque ele não quer lá ficar e não para quieto; que sofre porque o seu amado filho está sempre doente e nada consegue fazer para o evitar, que diz do filho que este é "porco", "chato", "birrento", preguiçoso", "mau"...; que passa a vida a dizer "não faças isto, não toques naquilo"; que fica com o coração partido quando dá uma palmada mas acredita que faz bem; que tem tanta necessidade de agradar a toda a gente que segue conselhos de pais, amigos, médicos e até desconhecidos e depois fica completamente exausta e confusa porque nunca sabe o que está certo; que....
Eu não queria ser essa mulher/mãe e por isso, eu não queria ter filhos.
Até que aconteceu o milagre de o Sebastião chegar à minha barriga, eu não conhecia nenhum modelo parental que não sofresse de, pelo menos uma, das situações que relatei. Por muito que olhasse em torno, não encontrava respostas mas, felizmente, outros caminhos se abriram e agora posso dizer com segurança que ser mãe é descomplicado, prazeroso e divertido.
Para cada uma das situações que descrevi há uma solução simples e intuitiva. Na maioria das vezes, essa solução é contrária aos hábitos da nossa sociedade individualista e tecnocrata, assente num modelo masculino. Na maioria das vezes, a solução exaspera ou diverte quem nos rodeia, porque lhes parece que não sabemos o que estamos a fazer, que estamos a por a criança em risco ou, simplesmente, que estamos loucos com as nossas opções bizarras. Felizmente para nós e para todas as famílias, mamãs e crianças, uma alimentação e consumos cuidados e conscientes, o amor incondiconal, o cultivo da feminilidade, a comunicação não violenta, o parto respeitado, o transporte do bebé pele-com-pele, a medicina holística e natural; as fraldas de pano; a cama partilhada com o bebé, a amamentação em livre demanda; a amamentação exclusiva até aos 6 meses; a amamentação prolongada (até quando a criança quiser), a introdução de alimentos sólidos pela mão do próprio bebé, a comunicação para a eliminação, as rodas de mães, os serviços das doulas, o apoio das especialistas em aleitamento materno, .... funcionam e tornam o dia a dia mais fácil, a família mais tranquila e saudável....
Sou mãe, sou mulher, tenho um filho e não passo por nenhuma das situações que tanta aflição me faziam. Um bem haja a nós e ao universo que nos permitirmos chegar até aqui.
Engraçado: eu pegaria neste texto e mudaria simplesmente o título para "Eu queria ter um filho e eu queria ser mãe"!
ReplyDeleteA nossa bebé foi gerada com muito amor antes de ser concebida, foi abraçada no leito dos pais onde nasceu, sorri para quem quiser olhar e é uma "paz" conforme o significado do seu nome.
Uma benção, dizemos nós.
Abraço.
eu não queria ser mãe,não queria ter um filho e entretanto ele nasceu e eu tive cerca de 90% das situações que descreves,mas não trocava esses momentos de desespero por nenhum outro!
ReplyDeleteadorei este post:)
Querida C, estou de lagriminha no canto do olho...
ReplyDeleteprimeiro porque ao começar a ler o post reconheci-me de imediato: o contacto que tinha com a maternidade até engravidar era exactamente o mesmo e durante muitos anos desejei não ter filhos porque "não tinha paciência". Mas tal como indicas, ser mãe não é complicado, a nossa sociedade é que complica a questão. Parabéns. Vou mandar por email a umas amigas ,pode ser?
beijos p voces!
Magnifico texto!
ReplyDeleteVou fazer uma hiperligação.
Parabéns!
Olá meninas,
ReplyDeletepenso que todas nós, em algum momento da nossa vida pré-maternidade, passamos por esta quase angústia de querer e não querer ser mãe.
Que sociedade a nossa que leva as jovens mulheres a terem medo de algo tão belo? Afinal, o que é que temos medo de perder ao sermos mães?
Para além de todos os mitos em torno de ter uma criança e de como cuidar dela (e que explanei no post) creio que há outros factores que nos levam a adiar a maternidade e/ou a teme-la.
Temos os estudos, a carreira, a casa, o carro, o cão, o "mister rigth", o dinheiro no banco, o cão e o gato, a viagem à Ásia (e a subida ao Kilimanjaro que isso servir como desculpa). Depois temos o receio de ficar menos mulheres, ao trocar papel de mulher profissional, intelectual, eficiente, viajada, culta, divertida (e tudo, e tudo e tudo) pelo papel de mãe que, como se sabe, é visto como aborrecido, entopecedor é - Deus nos acuda - para sempre.
Há dias uma amiga dizia que a espantava que a nossa representação de feminilidade fosse "uma mulher de saltos altos, batom e sexualmente disponível a toda a hora" quando o que melhor define a feminilidade é a fertilidade. Posto isto, perguntava ela "será por as mulheres quererem encaixar à força nesta falsa representação de feminilidade que há tantas mulheres super sensuais mas que não conseguem engravidar mesmo quando se esforçam para isso?"
talvez... quem sabe....
Tive o meu Gui aos 17 anos...claro que não o queria.
ReplyDeleteNem pensar,de maneira nenhuma...
Até que o vi...pequenino e frágil num pequeno papel de ecografia.
E amei-o.
Fervorosa e incondicionalmente!
Já lá vão sete anos...
mãe coragem. toda a minha admiração por esse amor fervoroso e incondicional que eu não sei se teria sido capaz de dar aos 17 anos. Te toda a mina admiração )
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