Sobre as mães, seus filhos e o trabalho


Esta semana, em conversa com uma amiga de infância que está grávida, entristeci-me por saber que, em princípio, terá que voltar a trabalhar um mês depois de o seu segundo filho nascer. Fiquei triste por saber que, tal como na primeira gravidez, não terá as condições necessárias para cuidar e amamentar o seu recém-nascido. É verdade que a legislação já prevê licenças de maternidade mais prolongadas mas, sabemos tod@s que nem toda a gente beneficia do que a legislação prevê.

Com um mês, o meu filho estava colado a mim e ao pai 24 horas por dia, dormia connosco, andava todo o dia no sling ou no pano, não experimentou o desconforto de ser empurrado num carrinho de bebé ao som das buzinas dos carros e exposto aos seus canos de escape. Com um mês, o meu filho não conhecia chupeta nem biberão, era amamentado em livre demanda, sempre que queria e durante o tempo que queria. Abençoado primeiro mês de vida, quase sempre sem fralda, sempre no calor dos corpos que o geraram, com uma mãe e um pai presentes a 100%, nunca deixado a chorar, nunca forçado a adormecer sozinho, nunca os cuidados de terceiros. Abençoada vida que nos permitiu experienciar tamanha felicidade.


Também nestes dias, conheci uma mãe que voltou a trabalhar 5 meses depois do seu filho nascer. Enquanto grávida, pensava que 5 meses era tempo mais do que suficiente em casa com o filho, pensava que as "férias de parto" seriam tranquilas e que estaria mais do que em forma para o regresso ao trabalho passado esse tempo. No entanto, as exigências dos cuidados a um recém nascido deixaram-na esgotada, o regresso ao trabalho fez-se entre noites mal dormidas e muita ansiedade pela entrega do filho a 3ºs. Actualmente, as exigências do trabalho não lhe permitem tirar as horas de amamentação, apesar de a entidade patronal não se lhes opor abertamente, e obrigam-na a levar trabalho para casa à noite e fins de semana. 9 meses decorridos sobre o nascimento e as noites mal dormidas são muitas, a ansiedade continua a aumentar, a tristeza consome-a e pensar estar com a conhecida D.P.P.

Aos 5 meses, o meu filho estava comigo ou com o pai 24 horas por dia. O máximo de tempo que ficou sem um de nós foram umas 3 horas (por causa de uma consulta), andava embalado no sling e no pano, dava grandes passeios pela cidade e passava horas a fio nos jardins de Lisboa. Dormia connosco, mamava em livre demanda, nunca foi deixado aos cuidados de terceiros, descobria o mundo nos braços de quem o gerou. Em todos os momentos difíceis, como o do nascimento de mais um dente, a primeira febre ou mais um pico de crescimento, nós estivemos presentes, prontos para uma massagem, uma sessão de reiki, para dar maminha e adormecer. Abençoada a vida que nos permitiu viver estes 5 meses de proximidade.

Há 3 dias, voltei à farmácia perto de casa. A farmacêutica estava grávida da última vez que lá fui e estava de regresso ao trabalho. Disse-me ter o seu filho 10 meses e estar, tal como o meu, numa fase em que anda por todo o lado e mexe em tudo. desabafou que tem que lhe estar sempre a dizer "não, não mexe", "não, aqui não" o, segundo ela "é muito cansativo e pode dar à criança a sensação de que não pode fazer nada".

Com 10 meses, o meu filho tentava dar os primeiros passos. A cada queda procurava o reconforto do colo da mãe e as endorfinas do leite materno que "embriagam" e ajudam a acalmar a dor. Foi um verão de descobertas, feito de areia, água, sestas prolongadas, experiências gastronómicas. Aos 10 meses, o meu filho mamava dia e noite em livre demanda, comia sólidos com a própria mão, brincava com outros meninos, sempre acompanhado pelos pais. Aos 10 meses, o meu filo nunca avia ouvido a palavra não, nunca avia ouvido um grito de desaprovação, nunca havia encontrado objecto algum que fosse mais importante do que a sua curiosidade. Aos 10 meses, como agora, o tempo de que dispunhamos para, de forma não violenta, guiar o nosso bebé pelo mundo era o suficiente para nunca termos que recorrer à repressão. Abençoada vida que nos proporcionou tantos momentos de intimidade e que nos permitiu testemunhar cada nova aprendizagem do nosso bebé.

Ontem, fomos à biblioteca brincar. A funcionária que se disponibilizou para nos acompanhar nas brincadeiras, também tem uma filha da idade do S. Enquanto o meu filho, ao meu lado, descobria cada novo livro ou brinquedo que esta mãe carinhosamente recomendava, a sua filha estava na creche a brincar e descobrir o mundo pelas mãos, quem sabe, de outra mãe que o trabalho separou do seu filho.

Abençoada a vida que me permite, aos 15 meses, estar com o meu filho 24 horas por dia, amamenta-lo em livre demanda, nutri-lo com amor, tempo, dedicação quase exclusiva.

Hoje, reencontrei uma das funcionárias do supermercado onde, por vezes, abasteço a dispensa. Sempre que vê o meu filho brinca com ele e chama-o de "bebé africano" por ele andar sempre dentro do sling e sem fralda. Pela primeira vez, falamos demoradamente do seu filho, também rapaz, com 2 anos. Dizia-me ela que na Guiné Bissau se diz que ter um rapaz é sinónimo de fortuna e boa sorte. No caso dela, foi o rapaz que deu a luz que lhe permitiu vir para Portugal e encontrar melhores condições de vida. Está muito feliz por ter tido um rapaz e o ter tão bem cuidado. Actualmente, dizia ela, para poder trabalhar e ganhar o dinheiro que lhe permite e permitirá sustentar o filho, entregou-o aos cuidados de uma guineense que mora em Coimbra. Sente-se feliz por saber que esta senhora ama e cuida da criança como se fosse sua e faz planos para o "ir buscar" quando este tiver 5 anos e a vida "tiver melhorado". Será que vale a pena prolongar-me sobre o nó na garganta que me provoca esta triste realidade?

Abençoada a vida que me permite e permitirá ver o meu filho crescer, todos os dias, a cada minuto do dia.

Capa do Livro: 
Mother Matters:
Motherhood as
Discourse and Practice

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