No livro “Affluenza” [termo que designa o “complexo de opulência”] Clive Hamilton, director do Australia Institute, ligado à esquerda, define assim os adeptos do decrescimento: são “indivíduos que procedem a uma mudança voluntária e a longo prazo do seu modo de vida, o que passa por rendimentos menos elevados e uma diminuição do consumo” e que aspiram a uma vida com mais sentido. Libertos do jugo da rotina capitalista, trabalham menos, gastam menos dinheiro e de modo mais construtivo.
Ambos têm em conta as grandes repercussões sociais e ecológicas de tudo o que compram ou consomem e isto traduz-se num decrescimento progressivo. “Basta ler um artigo sobre os malefícios dos copos de plástico para deixarmos de os utilizar", explica Keith Thomas. Niki especifica: “Furamos o esquema, mas com remorsos”.
Ter um comportamento que respeite o ambiente não é difícil nem penoso, garantem. “Sob certos aspectos, é mais complicado do ponto de vista prático. É preciso avaliar tudo o que fazemos. Temos que assentar num enquadramento sólido para determinar o que fazemos. Isso torna tudo mais claro”, reconhece Niki Harre. “Desperdiçamos a vida nos pormenores... Simplifiquemos, simplifiquemos”, escrevia Henry David Thoreau, muito antes de terem aparecido os primeiros adeptos do decrescimento.
Em 1981, Duane Elgin criou a expressão “simplicidade voluntária” para definir a atitude dos indivíduos que querem viver melhor com menos, consumir de forma responsável e fazer uma avaliação das suas vidas para estabelecer aquilo que é importante e o que não o é. Longe de ser uma renúncia geral ao materialismo, uma visão romântica da pobreza ou até uma privação auto-infligida, a filosofia da simplicidade voluntária consiste em viver de acordo com os meios e os valores de cada um.
Niki Harre e Keith Thomas têm vindo a intensificar as suas práticas ecológicas: só consomem ovos de galinhas criadas ao ar livre, passaram de dois automóveis para um, vão trabalhar de bicicleta, resistem à tentação de renovar tudo. Na mesinha baixa da sala, há dois livros: “The Rough Guide to Climate Change» [manual sobre as alterações climáticas, da célebre colecção de guias de viagem Rough Guides, não editado em português] e “The Ethics of What We Eat” [A ética do que comemos, Rodale Books, também sem edição portuguesa]. Por trás da casa, a horta de Keith Thomas está luxuriante. “Parecemos um bocado apanhados, mas somos completamente normais”, brinca Niki Harre.
Os dois filhos mais novos de Niki e Keith vão para a escola de bicicleta. Ambos já foram atropelados, mas escaparam com simples arranhadelas. A maioria das vezes, Niki também faz de bicicleta os seis quilómetros que a separam do local de trabalho. A família pertence ao SALT, sigla de «slower and less traffic» [trânsito mais lento e menos intenso], associação de bairro com mais de 200 membros. Objectivo? Melhorar a segurança nas ruas.
Nild e Keith recusam-se a levar os filhos ao outro extremo da região para as actividades extra-escolares. Ao contrário do seu vizinho, que fez 55 quilómetros de automóvel para levar o filho a um jogo de futebol.
O nosso ritmo de vida está sempre a acelerar. É preciso trabalhar mais para podermos consumir cada vez mais. Mas há quem esteja cansado do stress diário e da febre consumista e tenha decidido agir. (…) São indivíduos que optaram por fazer uma pausa na corrida louca em que se transformara a sua vida e que estão dispostos a trocar dinheiro por tempo.
Não se tratava de dizer adeus ao mundo do trabalho, antes de começar por fazer semanas de 30 horas em vez de 40. A perda de rendimentos é compensada por uma vida mais modesta e por uma forma de consumo revista em baixa, outra das ideias-chave do movimento.
Comprar uma casa grande com alguns amigos.
Utilização comunitária do automóvel.
Para festejar um acontecimento, organizar uma refeição em que cada um leva um prato, em vez de ir ao restaurante. São estas as recomendações dos defensores da simplicidade voluntária.
Comprar uma casa grande com alguns amigos.
Utilização comunitária do automóvel.
Para festejar um acontecimento, organizar uma refeição em que cada um leva um prato, em vez de ir ao restaurante. São estas as recomendações dos defensores da simplicidade voluntária.
O facto de o movimento incentivar um modo de vida que respeita mais o ambiente também agradou a Jörgen Larsson, que tem o cuidado de sublinhar, no entanto, que não se trata de uma nova versão da vaga ecológica, que defende o regresso à terra e a auto-suficiência. Pelo contrário. Os adeptos do movimento consideram que a vida nas cidades tem uma série de vantagens: não se perde tempo nos transportes, usa-se menos o carro e poupa-se no aquecimento de uma casa grande no campo, quase sempre dispendioso, e que consome muita energia.
Nos Estados Unidos, muitos adeptos da simplicidade voluntária verificaram que os seus próximos mostravam indiferença ou cepticismo em relação ao seu novo modo de vida. Um deles teve mesmo de fingir que tinha um segundo emprego, para escapar às perguntas daqueles que se espantavam por o verem sair tão cedo. “
Jörgen não encara a ausência de perspectivas profissionais como um sacrifício. As suas ambições são outras, explica. Trata-se, sobretudo, de ter influência sobre o mundo.
Anna Lagerblad
in Courrier Internacional, Fevereiro de 2008
via SNPC
Hás-de ler Daniel Quinn!
ReplyDeleteoi,
ReplyDeleteé mesmo o teu escritor preferido :) de tantas referência lhe fazeres já estou mortinha por o ler. Será ao meu próximo investimento literáro.
beijinhos