A criança interior

Quem enceta um caminho de cura/desenvolvimento espiritual, está familiarizado com a importância de se conectar com a sua "criança interior", a importância de lhe transmitir amor incondicional, d a amar, respeitar, de rir com ela, de lhe dar prazer e fazer sentir segura. Quantos de nós já teremos passado pela experiência avassaladora de segurar nos braços a criança que um dia fomos (e somos) e simplesmente ama-la?
Seria de esperar que um tal percurso e conhecimento nos levassem a amar incondiconalmente todas as crianças do mundo e os desse sensibilidade para transmitir esse amor, especialmente às nossas crianças mas, nem sempre é assim.

Em tempos conheci uma mãe, professora de yoga - fortemente implicada no seu desenvolvimento pessoal e no de quantos a rodeiam e/ou procuram - que respondia ao choro inconsolável da sua filha recém nascida, colocando a sua mão sobre o chacra do coração da bebé para que esta sentisse que a mãe estava presente. A bebé, de dois meses e já desmamada, uma vez alimentada, mudada a fralda, bem vestida para não ter frio e tomado o anti-cólicas, tinha - segundo a mãe - todas as necessidades satisfeitas logo, se ainda chorava era porque queria colo, desejo que não podia ser satisfeito sob risco de esta se tornar mimada e dependente.

Porque é que negamos às nossas crianças aquilo que procuramos preencher enquanto adultos?
Na altura, tentei dialogar com a mãe que me dizia estar 100% segura de estar a fazer o melhor para a sua filha e cujo discurso espiritual, em torno das energias, chacras, vidas presentes e passadas, entre outros, se revestia de uma sabedoria tal que seria capaz de convencer qualquer espírito incauto. O diálogo terminou quando a mãe utilizou o argumento de fazer "apenas o que me diz o instinto e o coração. Tudo o que fizer pela minha filha que venha do coração é bom". Pena que mãe e filha tenham necessidades e instintos contraditórios, pena que os seus corações não estejam em sintonia.
Estaria esta mãe tão preocupada em acalentar, a um nível puramente racional, a sua criança interior que não consegue ler e responder às necessidades da sua própria filha? Será a criança que grita dentro de si que a impede o seu coração de sentir a dor da sua filha? Será a sua criança interior rejeitada, abandonada, desrespeitada repetidamente, pelos outros e por si mesma, que a leva a confundir colo, amor, carinho, segurança, conforto, calor humano com dependência?


A propósito desta experiência, partilho a seguinte reflexão:
"Vamos criar crianças que, mais tarde, não tenham que recuperar da sua infância"
Tradução Livre de Pam Leo, autora de Connection Parenting via Families for Conscious Living

2 comments:

  1. Isto de ser filha e depois ser mãe tem aberto em mim novos modos de reflexão.
    Já compreendi que, tal como "quem conta um conto acrescenta um ponto", quem cria uma criança, fá-lo sempre condicionado pelas suas próprias crenças e maneira como foi educado, quer esteja consciente disso ou não. Contrariar este instinto é sempre possível mas não é fácil. É sim, muito fácil olhar para o lado e abanar a cabeça dizendo "aquela mãe está a fazer tudo mal" ou "se fosse comigo era tãooo fácil lidar com aquela situação"...
    De qualquer das formas, já percebi que, independentemente dos "erros" que façamos (e dos que fizeram connosco), há quase sempre forma de nos "curarmos" mais tarde, desde que estejamos abertos a isso. O ser humano é fantástico e a sua capacidade de adaptação e de encaixe é extraordinária.
    Não concordo com muitas coisas que aconteceram na minha infância e na forma como fui criada, e admiro muito outras tantas. De qualquer forma, agora consigo distanciar-me o suficiente para ver que foi sempre na melhor das intenções que os meus pais tiveram certas atitudes e mesmo eles, agora, agem de outro modo com a minha filha, pelo que se constata que na Vida, estamos (ou devemos estar) sempre a aprender...
    Um beijo grande,
    m.

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  2. Olá Moya, é tão verdade o que dizes... há 1001 formas de fazer e todas estamos certas e erradas ao mesmo tempo. As certezas de agora serão erros tremendos amanhã e ainda bem que assim é porque significa que estamos a crescer enquanto pessoas. Há, no entanto, verdades qe são imutáveis e que dizem respeito a todos nós, mães, pais, filhos/as porque dizem respeito ao ser humano enquanto espécie e a não compreensão dessas verdades a que se assiste na nossa sociedade, a negação da resposta a necessidades básicas de um recém nascido (como sejam a amamentação em livre demanda, o colo constante, o sono no seio da mãe, a resposta imediata ao choro, a vinculação segura à mãe, a interacção 1 para 1, o nascimento em ambiente tranquilo e livre de tóxicos), o afastamento desse continuum para o qual todos nascemos é que fundamenta as minhas preocupações.

    beijinhos

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