A abordagem ao parto muda conforme o país no qual acontece. Isso porque o parto é um facto social, a sua visão e prática dependem da sociedade no qual está inserido. Não podemos compreender porque o parto é vivenciado, praticado e ensinado numa determinada maneira sem compreender a sociedade e, sobretudo, as relações sociais de género desta sociedade.
Relações de géneros são relações entre homens e mulheres situadas na realidade social. Uma relação de amor também é uma relação de género, uma vez que ela é realizada por um homem e uma mulher que cresceram e se formaram mental e emocionalmente num determinado contexto histórico-social e cultural.
Todos somos historicamente condicionados, manifestamos os preconceitos típicos de nosso tempo, classe social, visão de mundo, padrão afetivo e psicológico. Não podemos estar imunes a esse tipo de condicionamento, porém, podemos estar conscientes dele e nos libertar na medida do possível e do desejável.
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O parto não poderia fugir dos condicionamentos culturais e das relações de género, uma vez que ele é um facto que acontece às mulheres e uma vez que a medicina é um campo prioritariamente masculino e seu modelo de análise está fundamentado naquelas que a psicologia junguiana associa a características masculinas: razão, praticidade, rapidez, linearidade no pensamento, tecnologia. Apesar destas qualidades (masculinas) serem positivas em si, elas tornam-se negativas quando assumem o monopólio na forma de entender a realidade e, sobretudo, produzem estragos quando aplicadas ao pé da letra ao parto.
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A realidade social na qual as mulheres estão inseridas não é favorável e as características psicologicamente
associadas ao feminino (sensibilidade, sentimento, intuição, ciclicidade, conhecimento vivencial, receptividade) não são nem apreciadas nem muitas vezes levadas em conta. Não são valorizadas no dia a dia, no âmbito profissional, no mercado e muito menos na forma como se faz ciência e se aplica a medicina.
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A ausência do princípio feminino é evidente na falta de bom senso quando se lida institucionalmente com parto, amamentação e maternidade. As instituições sociais e a própria estrutura da sociedade são projetadas por homens para homens na faixa etária em que podem produzir. Mulheres com seus ciclos, tempos e ritmos, seus filhos, menstruações, menopausas, mamadas, mulheres com olheiras por noites sem dormir, preocupadas com filhos, doenças, notas escolares, problemas de aprendizagem, solidão... Mulheres
assim têm pouco espaço e pouca compreensão na realidade social em que vivemos. Mulheres com seus úteros são um estorvo para muitas empresas. Bebês que choram que precisam de colo, de presença, de silêncio, de alegria e harmonia incomodam, nada têm a ver com produtividade, controle do tempo, agendas lotadas, barulho e prazos.
A experiência do parto contém um ingrediente diretamente ligado à dimensão de cidadania. Ela levanta as questões relativas ao lugar que as mulheres ocupam na sociedade, a suas atitudes cidadãs, a seu poder (ou impotência) social, seu reconhecimento (ou invisibilidade), sua voz (ou seu silêncio). Todas as verdadeiras transformações interiores se refletem em novos comportamentos e atitudes no mundo. Estamos diante a um novo desafio para as mulheres.
Adriana Tanese Nogueira - 08 de Março de 2005
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