As grávidas e mães portuguesas sentem-se sozinhas e estão sozinhas - Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) – Plano Nacional para a Igualdade (PNI)


Esta tarde deveria estar a trabalhar mas, fazia parte do meu trabalho uma leitura do novo PNI e, agora que tenho um filho, não consigo deixar de olhar para a vida - incluindo o trabalho - do ponto de vista de uma mãe.
É com muita tristeza que, dia após dia, me confronto com o desprezo dos poderes públicos por aquelas que geram, nutrem e educam o futuro do país. Esta tarde, a leitura do PNI, não fugiu à regra.
Segue a expressão da minha indignação e tristeza, espero que não fiquem, tal como estou agora, com um nó na garganta.
Em 2007, entrou em vigor da lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril), que despenalizou “a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida.
De acordo com o Artigo 2º do Decreto lei, deverá a interrupção voluntária da gravidez ser despenalizada judicialmente e facilitada pelos serviços e, concomitantemente, deverão os serviços sociais preparar-se para dar resposta efectiva às grávidas que poderiam não interromper a gravidez lhes fosse permitido dispor do apoio necessário. Para tal, prevê-se a realização de uma consulta de informação e acompanhamento onde se destaca:

1 - Compete ao estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido onde se pratique a interrupção voluntária da gravidez garantir, em tempo útil, a realização da consulta obrigatória prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal e dela guardar registo no processo próprio.
2 - A informação a que se refere a alínea b) do n.º 4 do artigo 142.º do Código Penal é definida por portaria, em termos a definir pelo Governo, devendo proporcionar o conhecimento sobre:
a) As condições de efectuação, no caso concreto, da eventual interrupção voluntária da gravidez e suas consequências para a saúde da mulher;
b) As condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da gravidez e à maternidade;
c) A disponibilidade de acompanhamento psicológico durante o período de reflexão;
d) A disponibilidade de acompanhamento por técnico de serviço social, durante o período de reflexão.
3 - Para efeitos de garantir, em tempo útil, o acesso efectivo à informação e, se for essa a vontade da mulher, ao acompanhamento facultativo referido nas alíneas c) e d) do número anterior,
os estabelecimentos de saúde, oficiais ou oficialmente reconhecidos, para além de consultas de ginecologia e obstetrícia, devem dispor de serviços de apoio psicológico e de assistência social dirigidos às mulheres grávidas.
4 - Os estabelecimentos de saúde oficiais ou oficialmente reconhecidos onde se pratique a interrupção voluntária da gravidez garantem obrigatoriamente às mulheres grávidas que solicitem aquela interrupção o encaminhamento para uma consulta de planeamento familiar.
O IV PLANO NACIONAL PARA A IGUALDADE — GÉNERO, CIDADANIA E NÃO DISCRIMINAÇÃO – 2011-2013 que tem como 4ª área estratégica a saúde, prevê a avaliação da implementação da legislação acima referida envolvendo 4 entidades governamentais: PCM, GSEI, MS e CIG.
O PNI 2011-2013, salienta, na área da saúde, que:
As desigualdades sócio -económicas, a maior vulnerabilidade das mulheres a situações de pobreza, o acesso ao emprego, os horários prolongados, as dificuldades de conciliação e a ausência de tempos de lazer têm de ser tidos em consideração na definição de uma política de saúde que integre a perspectiva de género. O género é determinante em saúde e o impacto de género não é apenas consequência das condições sócio -económicas, mas das desigualdades de género.”
Não será de todo abusivo fazer a leitura de que muitas das mulheres portuguesas que engravidam, pela sua situação de pobreza e vulnerabilidade, não dispõem das condições sociais, económicas e psicológicas necessárias para a prossecução da gravidez.
Assim sendo, quais os indicadores que permitem às quatro entidades supra-citadas, a avaliar a prossecução do disposto na Lei e, no âmbito do PNI, garantir os princípios fundamentais de não discriminação e igualdade entre mulheres e homens tal como estão consagrados na Constituição da República Portuguesa e no Tratado que institui a União Europeia — Tratado de Lisboa?
Pois bem, não é o número de consultas de aconselhamento realizadas, ou número de mulheres a beneficiar de apoio psicológico após contacto com os serviços de saúde para a realização de IVG, não é tão pouco o número de acompanhamentos por técnico de serviço social e o âmbito deste acompanhamento, também não é o tipo de apoio prestado pelo estado no sentido de, se desejado, prosseguir com a gravidez, Muito menos, poderia ser o número de mulheres que, dada a falta de rede de suporte, pobreza e condição de vulnerabilidade viu na IVG a única possibilidade de lidar com a gravidez que se anunciou, depois de procurar o apoio do Estado, obteve as respostas necessárias para uma melhoria das condições de vida e, consequentemente, a prossecução da gravidez.
O único indicador que, no âmbito do PNI 2011-2013, permite avaliar a implementação da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez (Lei n.º 16/2007, de 17 de Abril) é Contabilizar o número dos registos hospitalares sobre IVG efectuados anualmente”. Também poderíamos perguntar porque são necessárias 4 entidades desta envergadura (e, de acordo com o que se lê no PNI, os seus dirigentes)para tal contabilização mas, pretendemos manter um tom sério nesta análise.
Note-se que não estamos a falar do Plano Nacional de Saúde, relativamente ao qual já seria grave não ter contemplado indicador de avaliação mais abrangente. Falamos sim do Plano Nacional para a Igualdade que tem como razão de existir as mulheres portuguesas e a descriminação de que continuam a ser alvo.
A falta de indicadores para a monitorização da Lei da IVG é apenas mais um sinal de que as grávidas, puérparas e lactentes não são uma população prioritária, protegida e defendida pela legislação e serviços. Nem sequer pelos órgãos governamentais criados exclusivamente para dar apoio às mulheres.
Nem necessitamos de sair do âmbito do PNI para corroborar o vazio em que se encontram as grávidas, puérparas, lactantes e as mães portuguesas. Uma leitura geral do plano permite verificar que se podem ler:
- zero vezes a palavra puérpara;
- zero vezes a palavra lactante;
- zero vezes a palavra amamentação e todos as derivações do acto de amamentar;
- uma vez a palavra maternidade – no âmbito da lei da maternidade e da paternidade;
- uma vez a palavra grávida – no âmbito da Lei de Interrupção voluntária da gravidez;
- duas vezes palavra mãe(s)- uma juntamente com a palavra pais e enquanto público alvo para a recepção de um guia destinado às famílias sobre as estratégias de promoção da igualdade de género; outra enquanto “mães sós” como público alvo para a recepção de informação em suportes de comunicação de acesso universal sobre oportunidades de educação, formação profissional, emprego e auto -emprego para grupos com especial vulnerabilidade.
As mães portuguesas sentem-se sozinhas e, infelizmente, estão mesmo sozinhas!

1 comment:

  1. nem de propósito... Ando angustiada com uma situação de uma amiga próxima. Terminou a sua bolsa de PhD pela FCT-MCTES em Dezembro tendo entregue e defendido a sua tese. Tendo concorrido a uma bolsa de pos-doc em Agosto de 2010, que referiu pretender iniciar em Janeiro 2011, recebeu há dias a resposta: sim, conseguiu a bolsa mas para ter início em Abril "porque a FCT não tem meios financeiros para os bolseiros de 2a fase - como é o caso dela - se iniciarem antes. Tal já é problemático para um cidadão normal com contas a pagar todos os meses. Mas mais complicado se torna porque ela está grávida e tem a DPP para os últimos dias de Março. Ora, se o bb nascer antes do período de bolsa (a partir de 1 de Abril) ela não vai ter direito a licença de maternidade!
    Portanto uma pessoa que já foi bolseira de projectos, bolseira de PhD, que conseguiu uma bolsa de pos-doc, que tem uma quota anual invejável de conferências e artigos publicados, vê-se por uma questão de dias, privada de algo que devia ser um direito seu... Sem falar nas inúmeras consequências: o stress que está agora a sofrer (e não posso deixar de falar na base de dados da Primal Health que já deixou bem claro que o período prénatal é de extrema importância para o desenvolvimento físico e emocional do feto), no facto que vai provavlemnte encurtar o período de licença, porque não vai ter possibilidades de estar sem receber, etc. etc.
    Mas o que me choca mais nesta história toda, é que outras colegas referem que realmente é um "infortúnio", mas que "como os bolseiros não têm vínculo à FCT, ela não tem nada que pedir para lhe fazerem uma excepção e iniciar a bolsa mais cedo" (ela está a tentar que isso aconteça) "só" porque está grávida... Como é que chegámos a um ponto que a população, especialmente outras MULHERES!!!! acham que a gravidez e a maternidade são só mais uma "actividade" e pelos vistos, acessória??? Estou profundamente chocada... Quem é que eles acham que vai pagar as pensões deles daqui a uns anos?...

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