No Continuum Concept, no original, Jean Liedloff descreve o dia-a-dia de uma sociedade tribal - os Yequana -e a sua capacidade para a vivência de uma simplicidade e felicidade que, no mundo ocidental há muito se perdeu.
Por continuo humano, entende-se a sequência de experiências que correspondem às expectativas e tendências da espécie humana, num ambiente consistente com aquele no qual essas essas expectativas e tendências se formaram.
Exemplificando, no pós-parto, um recém-nascido tem a expectativa e a tendência natural para repousar no calor do corpo da sua mãe, com ela se aquecer, regular a respiração e por iniciativa própria, procurar o mamilo, mamar e adormecer. Se o parto de ser num ambiente consistente (sem drogas, luzes, pessoas estranhas, frio, intervenções desnecessárias..), esta será a sequência de experiências que irá provocar e vivenciar.
Qualquer animal afastado do seu contínuo, é um ser em sofrimento. Mesmo que, aparentemente, esteja em adaptado às novas condições.
Na sociedade ocidental, os comportamentos são cultural e socialmente influenciados, adaptados, "determinados". As mais básicas das necessidades, como comer e beber - ou o considerado mais natural dos instintos, como o "instinto materno" - são altamente ritualizados e respondem a um sem fim de regras ditadas, quase exclusivamente, pelo intelecto. Já quase nada vai ao encontro das nossas expectativas e do nosso continuo.
Apesar de considerar que pouco havia de inato e instintivo nos nossos comportamentos, nunca me havia questionado sobre as consequências profundas que tal afastamento da nossa condição "animal" poderia ter.
Em cerca de 100 anos introduzimos mais alterações à forma de vida humana - desde o nascimento, passando pelo parto, amamentação, alimentação, educação, organização social, relação com o trabalho, relações sociais, incluindo aqui familiares e comunitárias no geral, habitat... - do que em dois milhões de anos de existência mas, em termos genéticos, pouco mudamos.
A nossa capacidade de pensar e racionalizar a acção é uma qualidade que nos distingue dos restantes mamíferos e, ao mesmo tempo, uma fraqueza que, através de escolhas e erros sucessivos, nos afasta do nosso contínuo enquanto espécie, nos enfraquece, destrói o planeta e nos poderá levar à extinção.
Até hoje, dois anos depois do primeiro contacto com os Yequana, a necessidade de adaptação é constante pois quase nada na minha vida anterior estava em concordância com o que de mais simples, materno e comunitário existe em tod@s nós.
Nos últimos dois anos, na tentativa de responder às expectativas e tendências primordiais - continuum - e de criar o ambiente físico, emocional, intelectual e espiritual (consistente) que facilite as vivências e experiências com ele concordantes, tive a oportunidade de rever questões tão importantes como:
- todas as minhas acepções sobre concepção, gestação, nascimento, amamentação e cuidados à primeira infância;
- os conhecimentos prévios sobre disciplina (negativa e positiva) e parentalidade;
- a falácia dos modelos de parentalidade e educação centrados na criança, incluindo todo o sistema de cuidados à primeira infância e de ensino que criam ambientes artificiais onde as crianças se aglutinam sendo orientadas pelos pares e sem modelos adultos contextualizados;
- a polaridade feminino/ masculino no indivíduo e no casal;
- a importância de encontrar o tempo e o espaço para cultivar a oxitocina num mundo que venera a adrenalina;
- a comunicação (violenta e não violenta) e os modelos hierárquicos em que vivemos e que (in)conscientemente reproduzimos;
- a noções e vivências da aceitação, gratidão, compaixão, empatia, respeito, amor incondicional e liberdade;
- o isolamento e individualismo a que nos sujeitamos face à dinâmica tribal e comunitária para a qual fomos concebid@s e na qual nos sentimos preenchid@s;
- a tendência para viver no passado e/ou no futuro - lamentando o que não tivemos/ fizemos e almejando o que virá - e a importância de estar/agradecer e celebrar o presente;
- a necessidade de vivenciar os ritmos anuais e viver em comunhão com a natureza;
- a importância de cultivar a multidimensionalidade do ser nas suas componentes física, intelectual, emocional e espiritual;
- a capacidade instintiva de procurar o que é belo, bom, útil, o que nutre e o sustentável, em detrimento do tóxico, ruidoso, inútil e insustentável;
- a necessidade de, diariamente, através da alimentação, padrões emocionais, e hábitos cultivar a saúde e em vez de, unicamente, procurar e responder à doença;
- a recusa da alopatia como recurso fácil, automático e único;
- a dicotomia ser/ter, os padrões de consumo que lhe estão subjacentes e a obrigação/sobrevalorização do trabalho remunerado que a sustenta;
- o cultivo da simplicidade, a todos os níveis;
- a conexão com a intuição mais profunda, aquela que nos permite tornar inteligíveis as expectativas e implementar as acções que levam à vivência plena do nosso contínuo e que, por repetida negação e aniquilação, nem sempre nos dá as respostas que parecem a mais adequadas.
Tem sido um percurso cheio de descobertas mas também de recuos, tropeções e angústias. Abracei com alegria esta procura do respeito pelo contínuo da minha espécie porque esta é a resposta às necessidades de aceitação e dificuldades adequação, que sentia desde a infância. Mas, foi nesse mundo adverso e difícil que formei os meus hábitos e foi através dele que se construiu a moldura com que ainda hoje observo a realidade.
Foi nele que construí a minha identidade. A integração desta nova percepção e vivência, com todas as variantes que já conheço e todas as que estão para vir, está a passar pela dissolução de uma identidade que levou uma vida a ser construída e que não se esvai sem angústia, tanto para mim como para os que me rodeiam.
Este blog, nasce e desenvolve-se a partir da necessidade de procura, divulgação e partilha de informações e experiências que vão ao encontro do meu (nosso) contínuo e que nos permitam sentir apoiad@s e menos isolad@s nas nossas opções.
Bem Hajam e abrigada pela vossa companhia nesta caminhada!
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