Redes sociais e blogosfera agravam déficit democrático

Enquanto cidadãos de um país democrático dispomos de, pelo menos, duas formas efectivas de participação às quais se convencionou chamar de democracia representativa e democracia participativa.Concluo depois de muita estrada percorrida que a maioria da população desconhece os mecanismos que permitem, quer numa, quer noutra, dar voz às suas necessidades e objectivos.

Por ser tendencialmente (re)activa e gostar mais de fazer do que de delegar, tendo a seguir e iniciar movimentos que impliquem participação activa e espero sempre, com isso, construir um mundo melhor para mim e para quem me rodeia.

Desde a adolescência que participo em acções de recolha de assinaturas, manifestações por e contra as causas que, a cada ano, me foram parecendo as mais importantes ou urgentes. Sempre foram grupos pequenos, com poucas pessoas realmente empenhadas em participar e trabalhar para o bem comum e com resultados em concordância com o número de pessoas e recursos mobilizado, i.e., igualmente pequenos mas bons.

Passei por uma fase (se é que podemos chamar fase a uma década inteira) em que a frustração gerada pelas  acções falhadas e o descrédito em tudo o que implicasse participar, partilhar e criar comunidade, fez com que me afastasse e me dedicasse à alienação maior do trabalho/dinheiro seguida da não menos individualista empreitada de desenvolvimento pessoal e espiritual. Passada a década de experimentação hedonista, eis que o acesso fácil à internet e a banalização dos grupos de discussão, plataformas, blogs, sites e redes sociais dedicadas às mais diversas causas, fazem ressurgir uma nova centelha que veio aquecer os meus sonhos democráticos.


Foi via internet que, na última década, encontrei grupos de interesse, conversei com pares, aceitei e lancei desafios, assinei petições, apoiei causas, comentei notícias de imprensa escrita, divulguei  tudo o que me pareceu importante ou urgente, fiz perguntas, dei respostas, li, analisei, reflecti, aprendi e acreditei estar a fazer a diferença.


Já passou tempo suficiente para perceber que, ao nível dos resultados, a aderência em massa a uma dada causa não é o garante de resultados maiores do que os auferidos pelo pequeno grupo de outrora. Pelo contrário, percebi haver aqui uma dupla perversidade: por um lado, a utilização em massa da internet - especialmente das redes sociais - enquanto meio de participação, veio encher as medidas de uma cultura de base catolicista onde o que se aparenta é mais importante do que aquilo que realmente se faz (ou empreende) pelo que, um "gosto" no facebook ou um comentário de apoio e/ou, por exemplo, demonstração de intenção de voto na causa X ou Y, são entendidos, por quem o faz e por quem o lê, como "dever cumprido"; por outro lado, a própria utilização do computador e da internet encerra cada vez mais os indivíduos sobre si, permite levar à exaustão teórica os mais variados temas sem que exista qualquer repercussão na acção e rouba o tempo de interacção física que é essencial à verdadeira participação e construcção conjunta.

Assim sendo, em termos de resultados, a folia participativa mediada pelo computador tende a gerar acções tão nulas e tão vazias como a própria democracia em que vivemos.


(nota: e nem falo dos gastos de energia para a fabricação e utilização dos computadores, do espaço em servidor que todas estas páginas de Internet ocupam com o consequente gasto de recursos para os alimentar e das consequências das horas passadas em frente ao computador em termos de saúde/doença. O quanto se poderia verdadeiramente fazer com todos os recursos assim desperdiçados?).

imagem retirada daqui

2 comments:

  1. Talvez haja uma ponta de verdade no que dizes, sim. Mas repara que a Casa das Mães teve um grande impulso dado pela internet - que às vezes também resulta, o que significa que quando queremos algo, qualquer meio serve para o fazer vencer.

    ReplyDelete
  2. é verdade Carla, foi com o facebook que se conseguiu divulgar em massa a Casa das Mães e sem net nem sequer haveria Orçamento Participativo (pelo menos como o conhecemos em Lisboa) mas sabes que das quase 1000 pessoas que escreveram "eu já votei e o meu voto é o nº XXXXX)(contei-as a dedo) só cerca de 500 é que votaram? Se contar todas as pessoas que disseram ter votado ou que mostraram intenções de o fazer chego a uns bons milhares. Interessante, não é?
    Talvez sem Internet as proporções de votos para os 291 projectos apresentados fosse a mesma...

    ReplyDelete