Há alguns dias fui chamada ao centro de emprego. Era o dia do meu aniversário e, segundo a carta de recebi, devia lá estar às 10:30 da manhã.
Na noite anterior, preparei uma mochila com livros, impressões com alguns dos desenhos favoritos do S., para colorir, telemóvel carregado e com net, para podermos ver filmes, dois dragões, água fresca, iogurte, gressinos, maçã e uvas. Acrescentei, uma agenda baratinha que comprei para apontamento e rabiscos, uma caneta azul.
Soalheira manhã de aniversário, lá fomos nós para o nosso destino, dois autocarros, 5 minutos a pé. Cerca de uma hora depois de termos chegado, senha tirada, B.I. apresentado... deram-nos um papel com uma morada. O que tínhamos para fazer era noutro sítio, do outro lado da cidade.
Estão a ouvir aqueles sons de flop, nos filmes? ... toing, toing, toing, toiiiiing... estávamos os dois cansados, ele já tinha gritado que não queria estar ali, não gostava das pessoas... era um ambiente emocionalmente tenso, qualquer criança o sentiria, talvez nem todas gritassem...
Rapidamente analisei os percursos de autocarro e metro e decidi ira pé. Poderia entrar em mais 2 transportes públicos e chegar ao destino nervosa e cansada mas decidi ir a pé, a empurrar o carrinho e apanhar ar fresco. Felizmente, nesse dia, estava uma brisa fresca.
O empedrado das ruas de Lisboa não facilita o "empurrar do carrinho" mas, naquele percurso, os passeios eram largos, a calcada esta lisa e limpa, não havia cocós de cão, nem carros estacionados em sítios absurdos. O S. começou a reparar nos grafitis gigantes dos prédios e paramos para os observar. Sempre que passava-mos num passeio com calçada portuguesa bicolor, ele levantava-se do carrinho e tentava "saltar só nos pretos" ou "fazer o labirinto". Nos vários semáforos, contávamos até que ficasse verde, num crescendo de alegria.
Quase a chegar ao destino, dei-me conta de que aquela era uma das últimas coisas que me ocorreria vir a fazer no meu aniversário e, ali estava eu, com uma criança, a apreciar a beleza de calçadas brancas e azuis, prédios devolutos e grafitados, semáforos, quase alheada do incómodo de empurrar o carro e do ruído e cheiro dos muitos carros que por nós passaram. Ocorreu-me que, não estando aqui, num contexto que sinto como adverso, jamais teria a oportunidade de praticar e conhecer a sensação de presença e gratidão que vem de dentro.
Telefonei ao meu marido e comecei a partilhar aquele momento, tendo ele acrescentado "podes não ir aí. podes ir embora". É verdade, nós podemos sempre escolher, não somos obrigados a nada e esta é uma verdade que tenho repetido, para mim e em voz alta, praticamente todos os dias. A possibilidade de escolha, a possibilidade que me dou, a cada momento, de escolher o que quero e não quero fazer, é das ferramentas mais empoderadoras que já conheci. Possibilita-me também perceber os reais motivos pelos quais estou a escolher determinada acção, os verdadeiros motivos pelos quais estou a viver em determinado sítio... Se desejarem perceber exactamente ao que me refiro, sugiro 3 leituras transformadoras e de nomeação simples "momentos"; "tenho que", "escolhas"
Chegados ao destino nº 2, esperamos mais duas horas. Nesse tempo, desenhamos, fizemos a planta da sala onde estávamos, cantamos, vimos o banana man (que havíamos visto, no mesmo sítio, um ano antes e ele ainda se lembrava), lemos os 3 livros que requisitamos no dia anterior na biblioteca e, quando tudo terminou, rumamos a um dos nossos restaurantes favoritos.
Depois do almoço, fomos para a Gulbenkian onde eu frui brindada com a companhia de duas grandes amigas e um cheirinho da conferência " Valuing Baby and Family Passion: Towards a Science of Happiness". Ainda ouvimos, entre as roseiras o jardim, o mito de Persefone e Deméter que ajudou o S. a perceber porque existem as estações do ano e me relembrou da importância do mergulho no mundo de Hades, da negociação e da gratidão que nos traze para mais perto de nós. o S. brincou muito com um dos seus melhores amigos.
No final do dia, estava satisfeita, preenchida e cansada. Adormeci cedo, quase nem jantei. Neste aniversário não houve bolo, nem velas, nem canções, nem festas, nem prendas externas. Houve vida, houve presença, houve gratidão, houve alegria, houve uma gigante prenda, de mim para mim, que me disse que o estado pelo qual anseio já não é só uma ansia, já não existe só lá fora, já não necessita ser procurado lá longe, no lugar onde não estou. O estado pelo qual ansiei e lutei está aqui, ainda não todos os dias, ainda não a cada momento mas, está aqui e com cada vez mais prática, estará aqui e agora em cada vez mais momentos.
Hoje, comecei a ler o blog da Ana Thomaz e, um excerto do seu último post, relembrou-me a vivência que agora partilhei convosco.
"e fico atenta para que nas praticas da nossa cultura, comer, tomar banho, trabalhar, pagar contas, arrumar a casa...deixem de ser funções simplesmente, pois aproveito para transmuta-las em ações, e não reduzi-las a obrigações que me afastaria de mim mesma"
Gratidão ♥ *•.¸Paz¸.•♥•.¸Amor¸.•♥•.¸Sabedoria¸♥ •.¸Prazer¸.•♥•.¸Alegria¸.•♥•.¸¸ Vida
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