"18h00 – Desconforto ao nível dos rins que se manifesta pontualmente sob a forma de dores ligeiras – sinal para me estender um bocadinho a descansar – assim faço;
Das 23h00 às 6h00 – Contracções ligeiramente dolorosas, semelhantes a dores menstruais – sinal de que está para começar o trabalho de parto e devo garantir que está tudo preparado – assim faço: levo a noite a rever mentalmente todos os preparativos;
08h00 – Perda do rolhão mucoso. Não há contracções nem qualquer tipo de desconforto, em sinal de que a natureza me concede algum tempo para ultimar preparativos que recordei em falta ao longo da noite – assim faço;
10h00 – Não há contracções nem qualquer tipo de desconforto, em sinal de que a natureza me concede mais algum tempo para descansar – assim faço: deito-me. Sinto dois jactos involuntários de líquido;
11h00 – Não há contracções, mas os dois sinais já recebidos (rolhão mucoso e líquido) dizem-me que devo estimulá-las – assim faço: mantenho-me activa na realização de tarefas domésticas preparativas do parto;
15h00 – CONTRACÇÕES FORTES, de 6 em 6 minutos – este ritmo marca-me o compasso de actividade e é o sinal de que preciso para circular, parar, circular, parar, circular, parar... – assim faço, ao longo de uma hora. As dores dizem-me ainda que é hora de estar de pé – se me sento, uma pressão tremenda e dolorosa no ânus obriga-me imediatamente a levantar, e eu aceito a orientação – mantenho-me de pé;
16h00 – CONTRACÇÕES FORTÍSSIMAS de 4 em 4 minutos, em sinal de que o ritmo mais activo de deambulação tem de abrandar e de que se impõe outro padrão respiratório. Sinto necessidade de ficar cada vez mais parada por crescente incapacidade de deambulação e para poder “ouvir bem as dores”, certa de que me dirão o que fazer a seguir – assim é: debruço-me sobre a bola de parto, balançando-me para a frente e para trás e o alívio é imenso. Chego a dormitar;
17h00 – O alívio quase perfeito das dores dá-me força para continuar e tenho a percepção perfeita de que naquelas circunstâncias está tudo muito bom, mas estacionado, e eu quero o parto a andar, é preciso chamar pelas dores para me virem de novo orientar, dizer-me em que fase me encontro e o que devo fazer com o meu corpo para ajudar o meu filho a chegar cá fora – assim faço: ponho de lado a bola e volto a ficar de pé. As dores voltam, violentíssimas, e permitem-me visualizar, de forma quase cinematográfica, o caminho descendente do meu bebé. Sinto-me em verdadeiro trabalho de cooperação;
17h30 – As dores, à razão de uma contracção por minuto, mantêm-se um auxiliar precioso na forma como me orientam física e mentalmente, mas, de tão fortes e frequentes, levam-me à exaustão e dizem-me “deita-te” – assim faço: deito-me de lado, na cama, ainda não consciente de como aquela ordem é importante para o esforço hercúleo a que serei chamada dentro de uma hora...
18h00 – Fase de transição – aquela fase em que pensamos: “Um grau mais acima na escala da dor e sucumbo! Não aguento mais! É o limite! O corpo agita-se, geme, transpira, já não há palavras, só olhos arregalados e toda a minha consciência focada na dor que exige uma massagem que nunca aprendi, mas que naquele instante a dor me diz como fazer, ou como pedir ao meu marido que a faça – os ossos da bacia empurrados com toda a força para baixo. Alívio. A dor não podia ter sido mais certeira na massagem que pediu, na forma como me orienta;
18h10 – De pé, de novo, que o intestino está a ameaçar funcionamento e a violência da dor deixa-me a arder de calor e dá-me ordem para me despir – assim faço. Começa a vontade incontrolável de fazer força, ao ritmo das contracções. Fazer força apaga as dores e se o meu organismo não entrasse instantaneamente neste jogo, não sentindo dor, não sentiria necessidade imperiosa de fazer força para a apagar. É nisto que reside o prazer inigualável deste esforço de expulsão, nesse duplo alívio de apagar a dor e de estarmos na iminência de pôr cá fora um filho – um alívio também, físico e emocional.
18h20 – Agora, a vontade e o prazer de fazer força são tais, que suplantam largamente a dor. Vem o riso, a gargalhada. A dor desaparece, porque pura e simplesmente deixa de fazer falta. As contracções, potentes, mas agora saborosas, limitam-se a ditar o ritmo do meu prazer – FORÇA! FORÇA! FORÇA!
18h30 – Que bem trabalhou a dor que te fez nascer, filho!
Hoje deixo este relato, ditado pela cronologia das horas. Não é um relato de parto, porque procurei retirar do meu parto apenas a dor. Fiz um esforço de memória para seguir exclusivamente a linha da dor no meu parto. Para quê? Para que acreditem na minha garantia: A DOR DE PARTO TEM FUNÇÃO. É preciso ouvi-la. E quem não a deixar falar não é pior mãe por isso, mas virou as costas a um aliado. Ora, num parto, como na vida, cada um escolhe os aliados que quer.
In: http://www.bionascimento.com/forum/viewtopic.php?t=534
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Dolograma de um nascimento
Tomei a liberdade de retirar este relato do fórum da Bionascimento. Como nos diz a autora, é um relato das dores do parto e não um relato do parto. Obrigada Silvia por esta partilha
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