The Continuum Concept de Jean Liedloff , em poucas páginas e de uma forma muito clara e fundamentada, conseguiu revolucionar por completo as minhas noções de ser humano, de instinto, de vida em sociedade e, sobretudo, do que é ser mãe.
Digamos que revolucionar as acepções de alguém com uma formação sólida em ciências sociais não é tarefa fácil.
Sempre considerei que o ser humano, em sociedade, há muito que deixou os seus instintos sendo todos os seus comportamentos cultural e socialmente influenciados, adaptados, "determinados".
As mais básicas das necessidades como comer e beber ou o considerado mais natural dos instintos, como o "instinto materno" são, actualmente e especialmente nas sociedades ocidentais industrializadas, altamente ritualizados e respondem a um sem fim de regras ditadas, em exclusivo, pelo intelecto.
Apesar de considerar que pouco havia de inato e instintivo nos nossos comportamentos, nunca me havia questionado sobre as consequências profundas que tal afastamento da nossa condição "aminal" poderia ter. Afinal, sempre considerei o ser humano com inteligênte, capaz de abstração e muito mais do que um simples "animal". Estava enganada!
Será a capacidade de pensar as nossas acções que nos distingue dos restantes mamíferos mas, segundo Liedloff, é também esta capacidade de tudo racionalizar que nos afasta de tal forma do nosso contínuo enquanto espécie que cometemos uma enormidade de erros.
De acordo com a autora, estes erros são também cometidos quando de trata da gravidez, parto e dos cuidados a um recém nascido. Especialmente neste domínio, o ser humano tem vindo a negar quase todas as características inerentes à sua espécie com todos os malefícios que dai podem advir.
A uma dada altura, a autora descreve um nascimento do ponto de vista de dois bebés: um que nasce numa tribo indígena (cuja observação dá origem às ideias explanadas na obra) e um outro que nasce num hospital de uma qualquer cidade ocidental.
A exposição crua das agressões a que sujeitamos as nossas crianças (em nome da sua saúde e bem estar) é simplesmente arrepiante. Ao ler tal relato não pude deixar de pensar em mim enquanto recém nacido, no meu filho que está para nascer e em todos nós.
Liedloff defende que qualquer mamífero e qualquer criança se desenvolve de forma mais saudável se:
- Desde o nascimento estiver em contacto físico com a sua mãe ou outro cuidador;
- Dormir com os seus pais em constante contacto físico até que a própria criança decida procurar o seu próprio espaço (o que geralmente acontece por volta dos dois anos de idade);
- for amamentada de forma livre, i.e. quando tem fome e sem imposições horárias. Amamentar deveria ser uma resposta aos sinais que nos dá o bebé e não uma tabela horária a seguir à risca independentemente nas necessidades da criança;
- Até aos seis meses (idade em que começa a querer gatinhar e descobrir o mundo sozinha), ser constantemente transportada em contacto com um adulto (ao colo, na anca, no sling, no pano) de forma a que possa observar o mundo que a rodeia, mamar ou dormir enquanto essa pessoa se dedica às tarefas do dia-a-dia.
- Ter quem responda aos seus sinais de desconforto (choro, gritos) sem julgamentos ou desprazer (não fazer a criança sentir que é má ou que não é amada porque fez algo) mas sem nunca tornar a criança o exclusivo centro das atenções de um adulto;
- Fazer a criança sentir que preenche as expectativas das pessoas que a rodeiam, que é simpática, sociável, cooperativa e que se sabe preservar;
- Deixar que a criança desenvolva os seus instintos de auto-preservação não "controlando" todos os seus passos e ou supervisionando todos os seus movimentos. Se o ser humano necessitasse da extrema vigilância que actualmente atribuímos às nossas crianças, a nossa espécie estava extinta;
- Ao nascer, separação traumática da mãe devido a intervenções médicas e colocação do recém nascido em berçários/ incubadoras.
- Enquanto recém nascido, submissão a total isolamento excepto pelos sons emitidos por outros bebés;
- Em casa, isolamento no berço durante a maioria do dia;
- Adaptação forçada ao silêncio que pensamos ser o mais adequado aos nossos bebés mas que é o oposto ao movimento e constante ruído do útero materno;
- Alimentação tabelada de acordo com exigências médicas e não de acordo com as reais necessidades e impulsos do bebé;
- Ser separado e excluído das actividades dos adultos e isolado em berços, parques etc... onde tem como única companhia objectos inanimados;
- Cuidadores que ignoram ou punem os sinais que o bebé dá de desconforto;
- Cuidadores que reagem com excesso de preocupação às manifestações de um bebé tornando-o o centro da sua atenção;
- Hiper vigilância transmitindo ao bebé/criança que esta não é capaz de se auto-preservar e que não é capaz de aprender sem um control rigoroso que mina o seu processo de auto-aprendizagem.
Ao longo do dia, as nossas crianças são remetidas para os seus berços, parques, brinquedos, creches onde tem como companhía objectos inanimados, crianças da mesma idade e cuidadores que dão ordens (educadores, professores). Ao fim-de-semana, os pais esforçam-se por desenvolver actividades "apropriadas" para crianças de modo que as possibilidades de os nossos filhos observarem o dia-a-dia dos elementos da sua espécie e aprenderem através dessa observação/experimentação, ficam reduzidas a quase zero.
De acordo com Liedloff, para um bebé, ter quem brinque e fale com ele e o admire o dia todo retira-lhe a o papel de observador para o qual está (de forma inata) preparado.
Quando acima nos referimos a "carregar" o bebé constantemente nos seus primeiros seis meses, falamos na possibilidade de um adulto realizar as suas actividades do dia-a-dia, em contacto com o bebé fazendo com que este seja um espectador das mesmas. Isto é completamente diferente de ter um bebé ao colo e fazer do mesmo o centro das atenções do adulto.
A criança aprende por observação e imitação e para que a sua vida se desenrole de forma correcta (de acordo com a preparação inata da sua espécie) deve estar em contacto directo (pele com pele) com um adulto, centrado num adulto que, por sua vez, está centrado nas suas próprias actividades.
Fonte: http://www.continuum-concept.org/cc_defined.html
Adorei este post! :)
ReplyDeleteBeijinhos e até breve
Sofia
Olá, Cátia, deixo aqui o meu beijinho e só um conselho simples de quem vai um bocadinho mais à frente - como se conselho fosse coisa boa:
ReplyDeleteseguir o nosso instinto não é apenas ir só contra o que nos ensinam. Pelo menos na minha experiência é principalmente ir contra as minhas próprias teorias quando elas se revelam más ideias na prática. Digo-te isto para que não te sintas frustrada ou confusa se não conseguires educar o teu menino exactamente com as ferramentas que neste momento julgas serem as melhores.
Não deixes que te façam acreditar que há "erros" na maternidade. Há sim muitas "tentativa e erro". Todos nós estamos a dar o nosso melhor pelas nossas mini-pessoínhas e há N caminhos possíveis. No final, o que interessa é tê-los saudáveis e felizes.
Resumindo: está preparada para o Sebastião te trocar as voltas todas, porque é o que mais acontece. E isso é bom.
Até o dia 8!
Olá Sofia e Melissinha,
ReplyDeleteA primeira vez que li sobre muitas destas coisas foi no Blog da Sofia e desliquei o computador a dizer que "esta genteestá toda maluca". Agora andam a dizer o contrário do que sempre esteve certo :) hi, hi!!! Depois comecei a tentar perceber mais do assunto e vi que o meu SEMPRE vem (no máximo) desde o iluminismo (isto ainda tenho que perceber melhor).
Sei que os bebés sabem exactamente como nos dar a volta e imagino e nós mesmos nos vamos "dar muitas voltas" ao longo do exercício da perantalidade :) Sei que quando a Melissinha diz que eles nos ensinam diariamente a testar as teorias é mesmo verdade!!!!
O que a Liedloff consegiu despertar em mim foi muito mais do que estar alerta para uma data de "ideias" ou "regras" que podemos apicar em quanto pais. O que me desperta a atenção e entusiasma é a descoberta de um novo olhar sobre a nossa sociedade (eu que passo a vida a dizer que não sou a Cátia e não a socióloga :)).
Para dizer a verdade a maioria das ideias adiantadas pela autora parecem-me muito complicadas de aplicar ao meu contexto. Exemplificando, não creio que seja muito complicado carregar um bebé o dia todo mas já é complicado passar o dia a trabalhar em frente a um computador com um bebé embrulhado num pano e ao colo. Não seria nada proveitoso nem para mim nem para ele. Outro exemplo é o do parto, não deve ser nada complicado dar ao recém nascido e á mãe a possibilidade de estar em contacto pele com pele a amamentar na primeira hora de vida (como recomenda a OMS) mas já me parece muito complicado negociar isso com a equipa médica de qualquer hospital nacional :(. Ou seja, na impossibilidade de alterar o contexto, fazemos as coisas como ditam as "regras" sociais em vigor mas isso não significa que estas sejam as mais adequadas à nossa espécie.
A Liedloff fez-me tremer nas bases enquanto pessoa e enquanto profissional. Depois de ler o continuum concept andei pelas águas da pesicologia e antropologia a tentar perceber se havia mais gente a afirmar, estudar e conprovar as mesmas coisas e, espanto dos espantos, há!!! Há muita gente a estudar e aplicar tudo isto e muito mais!!!
Relativamente ao parto temos os movimentos pelo parto humanizado, a própria OMS que nos pede para pararmos com muitas das práticas que hospitalares actuais, o aumento dos conhecimentos sobre o parto na água, o aumento dos partos em casa..... Há países onde estas ideias que em portugal parecem pioneiras são a regra (já escrevi algures sobre isso).
Na área da educação, já descobri a escola livre (educationrevolution.org), a escola Waldorf, o Movimento da Escola Moderna....
Os estudos e movimentos que nos provam a necessidade de voltar às origens, a necessidade de o ser humano retomar os seus instintos enquanto espécie são muitos. Agora, se cada um, individualmente, vai conseguir fazer isso no seu dia-a-dia e com os seus rebentos.... isso já é mais complicado. Penso que esta é uma mudança colectiva e inter-geracional.
A humaninade vai lá chegar mas devagarinho e o mais provável é nenhum destes movimentos (incluindo o que a Liedloff iniciou com a sua obra) estar certo.
já agora, espero que dia 8 (11:30, junta de freguesia da Graça) no encontro de pais, mães e amigos dos bebés e crianças) tenhamos a possibilidade de debater estas questões :)
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