O meu relato de parto - O parto recordado


Depois de muitos meses de preparação para o parto, a vida surpreendeu-nos e tudo de desenrolou de forma autónoma e sem ter em conta todos os nossos planos, leituras e certezas.

42 semanas e um dia depois da possível data de
concepção, nasceu o Sebastião.

Na Magalhães Coutinho fui recebida pela Drª. Alice de cuja simpatia e profissionalismo me vou recordar sempre. Só fez o primeiro toque depois de me pedir autorização e explicar os seus objectivos.

Feito o toque, percepcionados dois dedos de dilatação (os mesmos dois que 4 dias antes) e perate uma grávida de 42 semanas que insistia em não ter parto induzido, pediu para eu ir andar a pé e comer.


Andei muito e muito rápido durante cerca de 3 horas mas praticamente não consegui comer por causa do nervoso miudinho. Agora arrependo-me porque o trabalho de parto foi longo e fiquei faminta.

Depois da raspagem e dos clisteres que não consegui evitar mas que consegui ser eu a fazer, tomei um duche (a pedido) e dei entrada na sala de parto. Eram já 16:00 e passado pouco tempo colocaram-me o soro e o CTG. Perguntei à enfermeira porque motivo me ligavam a soro e esta justificou o procedimento com o protocolo hopitalar. De acordo com a própria enfermeira, não haveria necessidade de soro dado não haver qualquer indício de necessidade de, por exemplo antibiótico, mas o protocolo assim o obriga.

Apesar do soro e do CTG perguntei se me poderia levantar e tal foi-me permitido. Durante todo o parto, mesmo depois do início da indução, pude ir à casa de banho, dançar, deambular, estar sentada num banco..... Nós mesmos retirava-mos o CTG e o soro umas vezes passeava comigo e outras e
ra desligado pelas enfermeiras. O tempo que permanecia com o CTG desligado era da nossa responsabilidade e nunca nos vieram dizer que teria que voltar para a cama.

Também pedi para comer e beber e a mesma enfermeira explicou (novamente) que o protocolo hospitalar não o permitia pois em caso de haver necessidade de anestesia geral não se podia ter ingerido nada. Claro que as possibilidades de ir para anestesia geral eram quase nulas e que a digestão demora cerca de duas horas a ser feita. Eu estive mais de 15 horas em trabalho de parto e nada justifica tanto tempo sem comer, muito menos a necessidade de ter o estômago vazio.

Não me era a
utorizado comer mas, segundo a enfermeira, nada impedia o pai de trazer alimentos e bebida para consumo próprio na sala de parto. Para bom entendedor.... lá foi o pai comprar bolachas e água. Durante o trabalho de parto também me deram muitos rebuçados o que foi ajudando mas devo dizer que teria sido impossível consumir todo aquele açúcar sem a água que bebi às escondidas.

Pela hora do jantar (cerca das 20:00), os dois dedos de dilatação mantinham-se e foi-me administrada ocitocina para indução do parto. A indução iniciou-se com 20 mg/hora e não me foi aumentada a quantidade pois eu disse sempre que preferia esperar.

O tempo de espera fez-se entre deambulações, cantigas a dois (com ajuda do MP3), massagens, muito reiki, sonecas e conversas tudo interrompido por contracções espaçadas e não muito fortes. Fora
m mais de 10 horas a tentar encontrar a melhor posição numa cama dura e a chamar a dor que iria ajudar o nosso menino a nascer.

Durante todo este tempo tentei manter-me calma e de espírito positivo. Tratei todas as pessoas que entraram na sala de parto (e foram mesmo muitas) de forma muito cordial e pelo nome. A enfermeira Marial de Mar, a enfermeira Paula, enfermeira Anabela, enfermeiro Fernando e tantos outros que acabei por esquecer os no
mes.

Por vezes estava a sentir uma contracção mais forte e a deixar-me levar por ela e era interrompida por uma funcionária que vinha trazer lençóis ou uma enfermeira que vinha verificar o CTG. Felizmente aquele foi um dia atribulado na maternidade e as interrupções não foram muitas.

A sala de parto era um espaço reservado, com WC próprio, uma temperatura agradável e estava quase na penumbra. O facto de estarmos sozinhos num espaço isolado permitiu criar um ambient
e de alguma intimidade. Chegou uma altura que comecei a ver formas de flores e animais nos muitos instrumentos de nome inpronunciável que povoavam o espaço. Mesmo em cima de mim tinha dois enormes focos de luz que se pareciam com duas flores de lotus suspensas (felizmente não chegaram a ser utilizados ou lá se ia a magia).

A bata hospitalar era tudo menos confortável e insistia em sair do sítio limitando os movimentos e deixando a descoberto o que deveria estar coberto. Manter a minha própria roupa teria sido muito mais cómodo e simpático.

Pelas 00:30, c
om 5 dedos de dilatação, aumentaram a ocitocina e entretanto já não nos recordamos bem dos acontecimentos. As contracções tornaram-se violentas e a epidural chegou logo a seguir. Lembro-me de gritar pela senhora (auxiliar, enfermeira, médica anestesista, estagiária.... eram tantas):
- Chama a senhora! Chama a senhora!!!
- Qual senhora? Pergunta o pai
- Uma qualquer, está a doer muito!!!!!!!!!!!!!!!

Entre a 1 e as 6 da manhã necessitei de dois reforços de epidural. Tentei aguentar a dor ao máximo para não ter que pedir o 1º reforço mas o facto de já não me poder movimentar não ajudou nada. Com a epidural colocaram-me uma algália (em tudo o que li e falei sobre o parto nunca me ti
nham passado tal informação) e acabaram-se as movimentações. Fiquei atónita com a necessidade de algália e com a obrigatoriedade de ficar deitada mas... tentamos ultrapassar a questão com a ajuda do Sérgio Godinho, Jorge Palma,o nosso amigo Chico e a Betânea também vieram ajudar. As pressões fortes nas costas deram uma ajuda preciosa, especialmente porque a epidural só fazia efeito do lado direito e a região lombar e perna esquerdas teriam explodido de dor se o pai não estivesse sempre atento para fazer a massagem.

Já de manhã, rebentaram as águas e chamamos novamente a senhora. Veio uma auxiliar a quem expliquei que o bebé ia nascer. Esta chamou a enfermeira, que chamou a médica e finalmente veio um enfermeiro. O único homem do pessoal ao serviço e o único com uma roupa distintiva - era verde - todos os outros se vestiam de igual (explicaram-me que pela necessidade de mudar muitas vezes de roupa e de se protegerem do sangue, os vários cargos não dispõem de batas distintas, anda tudo de calça e camisa branca ou azul e tá feito).

O enfermeiro Fernando olhou, concluiu que ainda faltava um bocadinho e deu-me mais uma dose de epidural que me deixou a perna direita imobilizada. É verdade que me tirou as dores mas também de deixou sem perna. Eu bem reclamei que preferia a dor e que ela era necessária mas ele convenceu-me que assim era mais fácil e que eu bem ia necessitar dela para o que se seguia.

Não sei quanto tempo passou entre a segunda dose de epidural e a expulsão mas parece-me que foi muito pouco. Até agora penso que deveria ter esperado mais um bocadinho pois praticamente não sentia o lado direito do corpo quando comecei a fazer força. A perna direita insistia em cair daquelas coisas horríveis onde somos penduradas sem que me fosse possível controlar os movimentos.

O enfermeiro Fernando transmitiu-me muita calma e tinha sentido de humor o que foi muito útil. Comecei por ficar aflita quando vi o conjunto de tesouras esterilizadas todas em filinha e em saquinhos verdes. O enfermeiro garantiu-me que apenas faziam episiotomia em caso de necessidade e tentei logo saber quando é que eles tinham necessidade dessas coisas! Cumpriu com a sua palavra e nem um pequeno corte fez apesar de uma das enfermeiras presentes não parar de vaciti
nar que o bebé não cabia sem episio. A enfermeira em questão levou um raspanete e gastou-se um tudo de vaselina para auxiliar um bebé de mais de 4 kilos a fazer a sua primeira grande "caminhada" por um canal não estreito.

Não cheguei a perceber porque estava tanta gente na sala de parto. O enfermeiro parteiro, uma enfermeira que o estava a assistir, uma médica que teve que intervir de emergência com uma manobra horrível de força com os cotovelos no meu útero para empurrar o bebé (tinha o braço a impedir a passagem) e mais duas pessoas que conversavam
alegremente ao lado das tesouras ensacadas. Penso que estas últimas eram a enfermeiras de pediatria... todos falava muito e muito alto ou, pelo menos, assim me pareceu.

No m
eio disto tudo o pai do bebé esteve sempre ao meu lado, de mão dada a dar força. Os nossos amigos e familiares também estiveram presentes através de orações, pensamentos e da energia reiki que enviaram e que em muito nos ajudou.

O bebé nasceu (entre gritos, cotovelos e puxões) e sim, colocaram-mo no peito mas não o tempo suficiente para ele poder mamar.

O melhor que recordo do pós parto é que o pai pode cortar o cordão umbilical e que não dão banho aos bebés mas as boas práticas acabam aqui.

A uma dada altura gritaram comigo para que respirasse pois estava a impedir o oxigénio de chegar ao bebé e por momentos pensei que o ia matar por causa disso. A verdade é que eu estava tão maravilhada ao vê-lo no meu colo, tão grande e tão perfeito que nem sei se estava a respirar ao não. Ouvir gritar "respire ou o bebé não tem oxigénio" fez-me entrar em pânico. Nesse momento não consegui pensar se o cordão ia ser cortado de imediato ou se já tinha deixado de pulsar. Era importante ter dado a possibilidade de o nosso filho ter recebido esses últimos nutrientes da mãe através do cordão mas a confusão foi tão grande que esqueci.

Tirando a algália e o episódio do oxigénio (ou falta dele) que acabo de relatar, o trabalho de parto e parto foram menos violentos e restritivos do que eu imaginava poder ser num parto hospitalar e as pessoas que nos assistiram pareciam inclusivamente compreender a inutilidade da maioria dos requisitos do protocolo e deram-nos a possibilidade de os contornar.

A partir do momento em que o bebé nasce e o cordão é cortado começam as minhas angústias. Curiosamente, a minha opção pelo parto em casa era no sentido de salvaguardar o bebé de todos os procedimentos a que foi submetido na Magalhães Coutinho ficando questões como deambulação, episio etc... para segundo plano. O parto domiciliar era, para nós, a garantia de que o bebé nascia num ambiente tranquilo e onde apenas lhe fariam o estritamente necessário para a sua sobrevivência.

Acreditamos que todos os procedimentos que sejam necessários com um recém-nascido podem ser feitos no peito da mãe. Um bebé não necessita de ser lavado (ainda bem que na Magalhães Coutinho não o fazem), vestido, aspirado, colocado sob lâmpadas fortes, virado e revirado por mãos completamente desconhecidas. A única coisa de que ele necessita é de colo e mama.


Infelizmente não foi só colo e mama que o Sebastião conheceu nos primeiros momentos de vida.

2 comments:

  1. MAis um post bombástico, e já estou a esfregar os olhos.
    Vá lá que ainda existem pessoas e não autómatos a assistir as pessoas... Senão mais valia porem máquinas a fazer esse serviço!
    E que bom que o pai pode estar sempre contigo!
    Quanto à epidural, não te recrimines... com indução era quase certo precisares dela! Eu própria, em casa, a certa altura pensei: se estivesse no hospital já estaria a pedir por ela...
    Já passou e estou muito emocionada com o relato:) Obrigada!

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  2. Como é que eu só hoje li isto? Adorei, Cátia. Que bom que se arranjou um bom compromisso entre o que querias e o protocolo.

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